RELEMBRANDO GENTE DE PORTO ALEXANDRE
por Alfredo Baeta Garcia
Parte V
MEMÓRIA DA CONSERVEIRA
A Conserveira do Sul de Angola, Lda, que desenvolve a sua actividade especialmente no sector da pesca e sua indústria transformadora, com instalações para o efeito em Porto Alexandre, foi fundada na década de 30 pelos Srs. Dr. Torres Garcia, José de Matos Garcia, Costa Santos, Dr. Carvalho Santos e Prof. Manuel da Piedade Martins. As cotas eram de 50 contos cada uma, excepto as do Dr. Carvalho Santos e Prof. Martins, que eram de 25 contos cada.
Desde muito cedo alguns sócios foram ficando pelo caminho, sendo primeiro o Dr. Carvalho Santos, por nunca ter realizado o capital que subscreveu, seguindo-se Costa Santos, industrial em Moçamedes, cuja cota foi comprada pela Conserveira em tribunal, devido à sua situação económica muito difícil. Anos depois, por volta de 1945, os herdeiros do Dr. Torres Garcia vendem a sua parte à empresa ficando, a partir daí, apenas dois sócios, Matos Garcia e Prof. Martins, o primeiro com o dobro do capital e o único que tinha poderes de gerência, expressos na escritura de constituição, mas que podiam ser concedidos a terceiros por procuração.
Por essa altura o sócio Matos Garcia fixa residência em Lisboa e monta um escritório que efectua a compra das mercadorias a enviar para Moçamedes, onde se pretende desenvolver a parte comercial da empresa e promove a venda das conservas.
Ao mesmo tempo o Prof. Martins muda a sua residência para Moçamedes e abre-se um armazém, no qual também passa a funcionar o escritório, onde fica centralizada toda a escrita, ficando em Porto Alexandre uma pequena secção para controlo e elaboração de elementos contabilísticos elementares.
O Prof. Martins, que até aí agia sob uma espécie de tutela, deu-se a tomar decisões que estiveram na origem do desentendimento que levou à saída do sócio Matos Garcia, que acabou por vender a sua posição aos novos sócios, Gaspar Madeira e Lourdino Tendinha.
No período compreendido entre 1943 e 1950, em que fui seu empregado, A Conserveira era, sem dúvida, a empresa mais importante do distrito de Moçamedes e pioneira em algumas actividades.
A partir desta última data, que coincide com a saída do sócio Matos Garcia, a empresa entra em dificuldades resultantes de más administrações, que a levam à falência e ao seu puro e simples desaparecimento na época de maior desenvolvimento e prosperidade destas actividades em todo o litoral Sul de Angola.
Nesta época a empresa era constituída pelas seguintes actividades e suas diferentes modalidades, todas instaladas em Porto Alexandre, com excepção do escritório e armazém em Moçamedes e escritório em Lisboa:
PESCA
Uma traineira, a Diogo Cão, que foi a primeira embarcação deste tipo matriculada na Delegação Marítima de Porto Alexandre e a pescar na sua zona. Tinha uma capacidade de cerca de Vinte Toneladas de carga;
Duas sacadas, sendo uma motorizada e outra à vela;
Uma armação à Valenciana simples.
FÁBRICA DE FARINHA E ÓLEO
Fábrica mecânica, a partir do que antes fora uma rudimentar bateria de prensas manuais e dois caldeirões para cozedura, incluindo um secador rotativo para guano, que era novidade na época e que nunca foi posto a funcionar; uma prensa manual Marmonier.
Esta fábrica foi construída em Lisboa pela firma Alfredo Alves, sob licença Norueguesa da “Myrnes?”
FÁBRICA DE CONSERVAS
A primeira a ser instalada em Porto Alexandre, com autonomia de laboração, por não ser possível de outro modo, com algo de primitivo em comparação com as suas congéneres metropolitanas de então, mas que seria, na altura, a segunda de Angola. Dedicava-se quase exclusivamente ao atum e subsidiariamente a sarrajão, filetes de cavala e outras variedades de pequena monta.
SALGA E SECA
Tradicional e de média capacidade em relação ao volume de pescado, pois a sua grande maioria destinava-se a farinação.
TRANSPORTES
Um galeão à vela, Vissonga, depois Vouga, para transportes entre Moçamedes e Porto Alexandre, principalmente de lenha;
Uma barcaça;
Uma camioneta de carga para transportes diversos;
Duas pontes em Porto Alexandre, principalmente para descarga de peixe.
OFICINA DE SERRALHARIA
Para apoio a todas as secções.
ESTALEIRO NAVAL
Construção e reparação de barcos de pesca e respectiva carreira para esses fins.
ENFERMAGEM
Instalada sob pressão do então Delegado de Saúde, Dr. Araújo de Freitas.
COMÉRCIO
Estabelecimento de comércio geral, desde fazendas, mercearias, ferragens e artigos de pesca e que durante algum tempo foi o melhor da Vila.
Um armazém em Moçamedes, em edifício próprio, para recepção e distribuição de mercadorias importadas para embarque a partir deste porto, pois os navios de carreira não escalavam Porto Alexandre, a não ser para carregar grandes tonelagens, como farinha e óleos.
ESCRITÓRIO
Em Moçamedes a partir de certa altura, com uma secção em Porto Alexandre, outra em Lisboa, especialmente para compra de mercadorias e venda de conservas, como já foi dito.
Na impossibilidade óbvia de citar números referentes ao movimento da empresa, passo, no entanto, a citá-los no que se refere aos empregados, pretos e brancos, estes até pelos seus nomes que ainda recordo, na sua grande maioria.
Entretanto a empresa instala, em terreno superiormente indicado para o efeito e fora da área das suas actividades tradicionais:
KARAKUL
Com alguns carneiros importados de contrabando da África do Sul, uma exploração para obtenção de peles de que não chegou a tirar-se grande resultado, como aliás aconteceu com todos, e muitos foram, os que tentaram essa actividade.
ORGANOGRAMA
[ clicar nos gráficos para aumentar ]
Pesca
Fábricas / Salga e Seca
Outros
Resumo do Pessoal
86 contratados pretos
a que normalmente se juntava um pequeno número de mucubais, nunca mais de dez, que trabalhavam exclusivamente na secagem de peixe;
41 europeus
4 quimbares
Era normal a entreajuda das várias secções, feita pelo pessoal contratado, com um horário de trabalho muito alargado e, mesmo assim, com grandes dificuldades, de que se ressentia principalmente a secção de Salga e Seca que, por este facto, teve desde sempre fraca capacidade de produção.
Não se fazem referências ao KARAKUL, pois nunca tive qualquer ligação com essa secção. Apenas lá fui uma vez, de visita, a mais de 200 quilómetros de Porto Alexandre, relativamente perto do sopé da serra da Chela, no caminho para o Lubango (Sá da Bandeira).
O pessoal aqui indicado refere-se exclusivamente ao período que vai de meados de 1943 a 1950.
Fim
2 comentários:
Gostei de estar aqui. Vi os nomes do meu avô e de minha mãe. Madalena, ajudante de guarda-livros.
Um grande abraço
Foi uma agradável surpreza a informação sobre as actividades da Conserveira e o organograma do seu pessoal. Sou filho do Serafim dos Santos Frota que foi guarda livros da empresa durante mais de trinta anos mas no organograma refere como guarda livros um seu irmão Manuel dos Santos Frota.Julgo haver aí algum engano. Serafim foi para Porto Alexandre pelos anos 1932 quando era gerente Matos Garcia e regressou a Moçâmedes em finais de 1944 ou princípios de 1945, quando da transferência do escritório da Conserveira para esta cidade.Um abraço.
Cláudio Frota
Enviar um comentário