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31 de março de 2006

Os Poveiros

“Passavam carros eléctricos, automóveis e carroças, muitas carroças, em cujos condutores reconheceu também vozes de portugueses. «Todos iam arranjando a sua vida, menos ele! E quem sabe? Quantos outros haveria que nem uma carroça…»

“No cais, lá estavam os escaleres dos poveiros, com um pouco de água a estremecer no fundo e encharcadinhos de sol.” (1)

Estes poveiros, de Ferreira de Castro, arribariam a Porto Alexandre em 1921.

“A ida dos pescadores da Póvoa de Varzim para Angola e Moçambique está relacionada com a emigração dos poveiros para o Brasil. Em 1920 as autoridades brasileiras determinaram que os pescadores estrangeiros só poderiam continuar a actuar nas águas do Brasil desde que: se naturalizassem brasileiros até 12 de Outubro do referido ano; nacionalizassem as suas embarcações; organizassem «companhas» de modo que dois terços da tripulação de cada barco fosse brasileira.

“Os pescadores da Póvoa de Varzim obedeceram às duas últimas condições arvorando nos seus barcos a bandeira do Brasil e pedindo, através de editais, a colaboração de tripulantes brasileiros. Mas como, na sua quase totalidade, se escusaram à naturalização, tiveram de regressar à Póvoa, em número de cerca de mil. Em 30 de Outubro de 1920 chegou a Lisboa o primeiro contingente de 250 pescadores, seguindo-se-lhes outro grupo, de 302, desembarcados em Leixões em 5 de Novembro…

“Embora com os marítimos da Póvoa de Varzim tivessem regressado do Brasil - e pelos mesmos motivos - pescadores de outros lugares da nossa costa, o conjunto poveiro sobrelevou, em amplíssima escala, os pequenos contingentes dos restantes centros. Daí o facto de na Póvoa de Varzim se virem a sentir de um modo mais dramático os problemas sociais e económicos derivados do retorno de tão grande massa de indivíduos, para cuja utilização nada estava preparado. Extintos os ecos da recepção calorosa e romântica, cedo se verificou que uma crua miséria enlaçara bastantes dos que haviam voltado, e ameaçava muitos mais, tornando-se urgente a tomada de medidas que evitassem tamanha e injusta desgraça…”

Por outro lado, Norton de Matos que queria “assentar no litoral do sul de Angola as bases de uma indústria piscatória voltada para o futuro, lançou a ideia da instalação de uma colónia de poveiros em Porto Alexandre, facilitando a solução de todos os pormenores decorrentes da sua proposta.

“Em 24 de Fevereiro de 1921, no paquete África, partiam de Lisboa para Porto Alexandre 62 dos pescadores poveiros regressados do Brasil, que chegaram ao seu destino em 14 de Março; à frente tinham sido enviados os seus barcos e aprestos, que às praias africanas levavam, pela primeira vez, elementos típicos do areal e da enseada da Póvoa. Entretanto o General Norton de Matos mandara construir em Porto Alexandre um bairro destinado às famílias dos pescadores poveiros, a fim de as atrair e fixar ao solo de Angola.” (2)

“Um dos pescadores poveiros idos para Porto Alexandre, Manuel Francisco Trocado , dizia em carta dos finais de 1921: “Acrescentarei ainda que o sistema de pesca que adoptamos é muito fácil: fizemos uma sacada, como uma nassa, que nos importou em 2 contos. Lança-se ao mar, seguras as extremidades por 2 barcos, e em um, ou, no máximo em dous lanços, carregamos o barco de peixe”. (3)


pesquisa e texto complementar de Admário Costa Lindo




1 CASTRO, Ferreira de. A Selva, Livraria Editora Guimarães & Cª , Lisboa, 1957 (18ª edição), p. 75

2 GONÇALVES, Flávio. Os pescadores poveiros em Angola e Moçambique , Póvoa de Varzim Boletim Cultural, volume VI nº 2, C.M. da Póvoa de Varzim, 1967. pp. 286/288

3 “O Comércio da Póvoa de Varzim”, 11/10/1921.

30 de março de 2006

Maria da Cruz Rolão




“A indústria piscatória em Março do mesmo ano [1861] foi fortalecida com a chegada de novos Algarvios : José Rolão, sua mulher Maria da Cruz Rolão e dois filhos, João da Cruz Rolão e Francisco Pedro da Cruz; Manuel Tomé do Ó, Manuel Galambas e José Mendonça Pretinho; em Julho, da mesma proveniência, de Olhão, no vapor D. António, João da Rosa Machado, José Martins Ganho, João Lourenço Galarão, João do Sacramento Pintassilgo, Lourenço de Sousa Farroba e Manuel Nunes de Carvalho, «o quais trouxeram a primeira rede e se fizeram acompanhar de uma canoa.

”Para intrépidos e valentes filhos de Olhão, a viagem em vapor, tendo barcos seus, não era coisa com que se conformassem; e, assim, Bernardino do Nascimento, O. Brancanes e Francisco Ferreira Nunes, societários do Caíque Flor de Maio, resolveram ir até Mossâmedes, arranjando para isso uma companhia em que entravam, além dos dois, Pedro Mendes. Pelo José (piloto), Manuel Ramos de Jesus Pereira, João da Encarnação Peleira, e um pequeno chamado Baptista.

“O intento desses destemidos, porém, esbarrou contra a decisão das autoridades, que lhe proibiram a viagem, com fundamento nas poucas possibilidades do barco e do diminuto número de tripulantes. No entanto o travão não foi de carácter definitivo. A intervenção do Dr. Estêvão Afonso, junto de José Estêvão, então deputado por Aveiro, removeu a dificuldades encontradas, e os cotados algarvios chegaram a Mossâmedes em 3 de Agosto, daquele mesmo ano de 61.

“Foi à corrente emigratória algarvia que Mossâmedes e baías próximas ficaram
devendo o empurrão que as transformou em apreciáveis centros piscatórios.”

Delgado (2) vol. II pp. 60/61



“Elegeram, entre si, o seu próprio chefe. A escolha recaiu no colono Cruz Rolão, algarvio que deve ter indo da sua terra na primeira viagem do caíque «D. Ana», em 1860, com Francisco de Sousa Ganho, ou no caíque «Flor de Maio», que em 1863 fundeou na baía de Porto Alexandre.

“Cruz Rolão era homem humilde, mas sensato e sabedor. Houve-se muito bem nas funções em que foi investido. Após a sua morte, em data que ignoramos, sucedeu-lhe a viúva, Maria da Cruz Rolão. Esta sabia ler e escrever, tinha alguma cultura e, sobretudo, era possuidora duma coragem e decisão muito fora do vulgar. Impunha-se aos seus administradores e a todos pela sua energia e prestígio. Por várias vezes, Maria da Cruz tomou decisões importantíssimas para a comunidade que chefiava. Em dada altura, os hotentotes, vindos do Sudoeste, acossados pelos alemães, passaram ao nosso território e dedicavam-se à pilhagem e ao massacre. A povoação de Porto Alexandre estava nesta contingência. Porém, a regedora procurou estabelecer contacto com os chefes daquela gente, o que conseguiu, e teve com eles uma conferência, no local denominado por Arco do Carvalhão, a uns trinta e cinco quilómetros para Leste do aglomerado populacional, e este foi salvo.

“Igualmente, em data que não ficou registada ( mas deste facto nos fala o grande almirante Augusto Castilho), fundeou um navio de guerra inglês na baía, em frente à habitação de Maria da Cruz. Pouco depois, os súbditos de Sua Majestade, esquecendo-se que estavam em território duma nação que lhes devia merecer muito respeito, iniciaram exercícios de tiro para a restinga que forma a baía. Muitos dos projécteis iam cair do outro lado, no mar, onde andavam, calma e despreocupadamente, os nossos pescadores, nas suas actividades. Este acto arrogante levantou protestos das mulheres e crianças que estavam em terra, porquanto traziam no mar os maridos, pais e irmãos. Em pranto, dirigiram-se a casa da regedora e pediram-lhe que acabasse com aquele abuso do navio estrangeiro.Maria da Cruz mandou içar a Bandeira Nacional num tosco mastro que tinha à sua porta, meteu-se num bote e dirigiu-se para bordo do navio britânico. Saias arregaçadas, punhos cerrados, gesticulando e no seu fraseado de gente do mar, intimou o comandante inglês a acabar imediatamente com a perigosa brincadeira. Aquele, que apenas deve ter compreendido a indignação e o desassombro duma verdadeira mulher de armas, fez suspender o fogo, abandonando o fundeadouro no dia seguinte.”

Moreira (1) pp. 20/21


pesquisa de João Manuel Mangericão e Admário Costa Lindo

Porto Alexandre: A Fixação

“Dez anos depois da chegada dos portugueses vindos do Brasil [1849] começa a colonização dos algarvios que para aqui se deslocam nos seus próprios barcos em viagens de autênticos aventureiros honrando bem os seus antepassados navegadores.

“O primeiro a chegar é José Guerreiro de Mendonça, de Olhão, em 1860.

Nos dois anos seguintes chegam muitos outros. Uns ficam em Moçamedes, outros irradiam para a Baía das Pipas, Baba e Baía das Salinas.

“Os do Baba não se demoram aí indo fixar-se em 1863 em Porto Alexandre, onde já encontram 6 feitorias, todas de gente de Moçamedes, 4 das quais tinham ido para ali em 1861.

“Os pescadores de Porto Alexandre irradiam para o Sul, indo fixar-se em 1865, na enseada do Leão na Baía dos Tigres. Pouco se demoram dada a dificuldade de recursos de toda a ordem e a quase impossibilidade de os obterem.

“O desejo de vencer não desfalece em homens desta têmpera. Insistem e vencem. Em 1870 já se encontra na Baía dos Tigres um numeroso grupo de colonos. É sobretudo a colonização dos algarvios que se espalha pelas praias.

“Em 1884 nova seiva é dada à colonização com gente da ilha da Madeira. O Governo de Portugal fornece-a. Esta é formada de agricultores e pescadores. Os primeiros destinam-se sobretudo ao Planalto da Huíla e os segundos fixam-se em Moçamedes, a maioria no Baba e outros seguem para Porto Alexandre.

“Depois ocorrem portugueses, aos poucos, de todas as partes.

“Só em 1921 volta a haver nova corrente emigratória, desta vez de pescadores poveiros.

“Foi com o patrocínio, larga visão e perseverança dos poderes públicos, que esses homens de rija têmpera, aventureiros e colonizadores por excelência transformaram um areal deserto e abandonado na próspera região de hoje.” (1)
A loa sobre “o patrocínio, a larga visão e a perseverança dos poderes públicos”, aliás já bastante desmontada, compreende-se uma vez que o texto acima descrito é apresentado no Semanário “O Sul de Angola” como sendo da “autoria” da Câmara Municipal de Moçamedes, poder público, portanto.
'' Para sul de Moçamedes, as dificuldades de ligação por terra com o litoral eram muito maiores: o deserto impunha-se com a sua presença, perdendo-se os areais na linha do horizonte, faltava a água doce ou custava cada vez mais a encontrar e faltavam também, excepto no rio Curoca, as pequenas faixas aluvionares nos leitos dos rios temporários que existiam para norte. Todas estas circunstâncias não seduziram a fixação dos primeiros povoadores, para quem a pesca era uma actividade lucrativa, como qualquer outra.'' Apenas com o novo episódio colonizador, ligado aos fluxos algarvios de Olhão, se encetou a radicação de gente nestas paragens, na medida em que a riqueza do mar foi fortemente atractiva e pesou mais do que qualquer outro factor: em 1861 surgiram as primeiras pescarias em Porto Alexandre e, pouco mais tarde, na Baía dos Tigres, apesar da falta de água, de lenhas e de outros recursos. É possível que antes de 1870, data em que foi concedida uma licença para uma lancha navegar entre a Baía dos Tigres e Moçamedes, já ali se tenham fixado os primeiros colonos (2) .
“Também para norte de Moçamedes a influência dos pescadores algarvios foi decisiva: com grande mobilidade, favorecida pela utilização dos caíques e pela habituação a grandes deslocações, animaram e reforçaram núcleos de pesca já existentes e dispersos no litoral, criando mesmo alguns de novo, tal como sucedeu, por exemplo, na praia das Salinas.
“Não obstante em muitos desses locais não haver água potável, ou se obter a certa distância (em Porto Alexandre, no curso do Curoca, a 12 milhas a sotavento; nos Tigres, no Cunene, a cerca de 50), utilizou-se água salobra até que os caíques de Moçamedes principiassem a frequentar os vários portos. Esses caíques levavam como lastro barris de água doce, trazendo dos portos do Sul, onde o mar era riquíssimo em peixe, peixe seco e em salmoura para Benguela, Luanda e Ambriz (3)
''A partir de 1860 e até 1879, período de tempo em que se registou o maior fluxo dos pescadores de Olhão, tinha-se desencadeado novo surto agrícola, ligado à cultura do algodão; este facto levaria a população local a desviar os interesses da pesca para as terras férteis dos vales, intensificando aí o povoamento (4). Ora foi naquele espaço de tempo, que se assistiu a uma modificação radical nos mecanismos de difusão do povoamento, pois se autonomizaram dois fluxos que permitiram, em simultâneo, o desenvolvimento dos núcleos de colonização no litoral e no interior, junto de terras agricultadas: uma corrente populacional agrícola, alimentada sobretudo por transferência interna da população, e uma corrente piscatória proveniente do Algarve, responsável pela criação de alguns estabelecimentos no litoral. Se para norte de Moçamedes a influência desta última corrente se traduziu numa justaposição de grupos humanos que deram nova feição e incremento às lides do mar, foi sobretudo para sul que a maior percentagem de algarvios se fixou, criando no litoral desértico as suas instalações piscatórias. Tudo isto se compreende pela natureza dos colonos, porque o seu estabelecimento foi livre, espontâneo, realizado à margem de projectos oficiais, que não só nunca teriam aproveitado a fracção sul do litoral estudado mas, também, não teriam deixado de propor aos novos colonos o exercício da agricultura, mesmo conhecendo a sua origem. '' (5)

pesquisa e texto complementar de Admário Costa Lindo


1 Colonização de Moçamedes, Bosquejo Histórico, Preito de Homenagem, in “O Sul de Angola”, 4 de Agosto de 1949.
2 Castilho (1) pp. 129-142 e pp. 177-178
3 Iria(1)
4 No vale do Curoca, que tinha 3 propriedades agrícolas em 1859, havia 12 em 1871, das quais a mais progressiva era a de S. João do Sul; nos vales do Bentiaba e Inanmangando, de 2 fazendas em 1859 passou-se a 5. B.O. de Angola, nº 738.
5 Medeiros (1) pp.36/38

A Visão dos Algarvios



O desenvolvimento de Porto Alexandre esteve sempre ligado à exploração de todo o litoral do Namibe: “trata-se duma região de colonização tardia à escala angolana, que se efectuou numa época em que a escravatura ia perdendo importância; tratava-se, portanto dum território marginal até ao século XX, pois Benguela constituía o marco mais meridional na época de ouro do tráfego negreiro; trata-se também duma franja costeira onde se registou a maior concentração de pescarias, as quais, apenas por si próprias, explicam o enraizamento geográfico dalgumas povoações (por exemplo, Porto Alexandre e Baía dos Tigres); trata-se, enfim, duma área com características climáticas originais, que condicionam relações económicas singulares entre o litoral e o interior.” (1)

É bom notar que, até meados do séc. XIX, a aposta do Governo de Lisboa sempre foi no sentido de implementar na região um plano de colonização com base na exploração agrícola. Foi por iniciativa própria dos colonos, avultando neste aspecto os Olhanenses, que se iniciou a exploração da riqueza marinha do litoral.

Com efeito, “em 1850 havia em Moçamedes «7 pretos oriundos de Luanda ocupados nas pescarias do Estado além de 4 praças da estação naval que utilizavam duas redes boas e outras de algodão fabricadas no local, além de 3 escaleres»; (2) 7 particulares tinham também escaleres, empregando 40 homens, dos quais apenas 3 brancos. Os revezes sofridos pelos agricultores e as dificuldades de comunicações, a instabilidade das populações indígenas do interior, fizeram com que muitos colonos e até funcionários se tivessem dedicado, em maior ou menor escala, à pesca e ao comércio da urzela.” (3)

'' Em 1860 um novo episódio histórico, cujos efeitos se prolongaram mesmo até ao nosso século [séc. XX], teve carácter decisivo na evolução do povoamento e das bases económicas do litoral ao sul de Benguela - o afluxo acidental de pescadores de Olhão. Nesta data, o porto de Moçamedes continuava a servir de ponto de apoio para todas as acções de colonização estimuladas pelo governo de Lisboa que, então, se dirigiam para os planaltos do interior. Esporadicamente, a bordo de muitos navios de escala, chegaram alguns colonos acompanhados de familiares e um ou outro grupo de degredados que, apesar das constantes ameaças de guerrilha dos povos do Nano, eram os efectivos humanos de que se dispunha para prossecução dos objectivos da política ultramarina; essa gente era instalada em pequenos «redutos» de povoamento branco, geralmente protegidos por um forte.

'' Ao invés do que sucedia, os pescadores de Olhão, que eram considerados os melhores do reino e «mui destros na pescaria do mar alto» (4) , principiavam a vir, fruto do acaso, quer pela sua habituação ao mar, quer também depois pela influência das notícias de conterrâneos já fixados. A frequentação do porto de Moçamedes pela tripulação dos navios nacionais, entre a qual se poderiam contar vários algarvios, mostrara as grandes potencialidades oferecidas pelo mar que sulcavam, não só pela quantidade, mas também pela qualidade de peixe que nele existia.
'' Embora na primeira metade do século XIX houvesse alguns algarvios entre os componentes das correntes migratórias que se articulavam em Moçamedes (5) , não se pode falar, antes de 1860, duma autêntica vaga de colonização algarvia. Esta correspondeu a um processo migratório de características originais: enquanto oficialmente se continuava a preparar e a pensar numa colonização de base agrícola, com a vinda de pescadores do Algarve gerou-se uma ocupação espontânea do litoral que se prolongou no tempo, de forma contínua e permanente.” (6)


pesquisa e texto completar de Admário Costa Lindo


1 Medeiros (1) p.18.
2 Felner (1) vol. I, parte V.
3 Medeiros ob.cit. pp. 34/35
4 Câmara (1) p. 362.
5 Iria (1). Ribeiro Villas, citado por este autor, refere que em 1854 se encontravam estabelecidos no litoral correspondente à actual cidade de Porto Alexandre, alguns pescadores europeus, que eram em regra algarvios. Ainda segundo A. Iria, certas medidas de encorajamento à pesca, tomadas em 1856 pelo Marquês de Sá da Bandeira, derivaram da constatação da '' já ... tão vantajosa actividade dos pescadores do Algarve. ''
6 Medeiros ob.cit. pp. 30/31

8 de março de 2006

Moçamedes: Origem e 1ªs Letras




MOÇAMEDES



O nome primitivamente dado à região onde se ergue hoje a airosa e progressiva cidade de Moçâmedes foi o de Angra do Negro; as primeiras referências certas que dela se conhecem remontam ao tempo do governador- geral Francisco de Souto Maior, que, vindo do Brasil para Angola, em 1645, ali aproou para fazer aguada e comprar mantimentos.

Tornou-se historicamente famosa a expedição que Gregório José Mendes e Luís Cândido Pinheiro Furtado fizeram em 1785, explorando a Angra do Negro, que passou a designar-se por Baía de Moçâmedes, em homenagem ao governador-geral de Angola, desse tempo, José de Almeida e Vasconcelos, Barão de Moçâmedes. A povoação que lhe emprestou o seu nome é uma pequena aldeia do concelho de Vouzela, no distrito de Viseu.

Gregório José Mendes era rico comerciante e sargento-mor das ordenanças, tendo tomado sobre si o encargo material da expedição. Isso nos leva a pensar que tenha havido também interesses mercantis a motivá-la, que não fosse apenas o amor pátrio e o apreço pela ciência a mover a máquina e a imprimir-lhe o impulso... Pinheiro Furtado, por sua vez, era distinto engenheiro e oficial das forças armadas; navegava na fragata “Luanda”, pilotada por Manuel José da Silveira. A expedição de Gregório José Mendes seguia por terra e a de Pinheiro Furtado por mar. Logo à chegada, tiveram notícias de que alguns portugueses, e entre eles o tenente de artilharia, José de Sousa Sepúlveda, e o cirurgião Francisco Bernardes tinham sido mortos pelo gentio, devido a terem-se internado no sertão, praticando violências.

O local onde se situa a “cidade do mar e do deserto” foi pouco depois abandonado. Retomaram-se mais tarde as posições e fundou-se o presídio, por volta de 1840. Cinco anos mais adiante, em 1845, estabeleceu-se aqui uma colónia de brasileiros. Com efeito, em 1838, Sá da Bandeira ordenara que a região fosse efectiva e definitivamente ocupada; no ano seguinte, organizou-se a expedição de Pedro Alexandrino da Cunha e João Francisco Garcia, que repetiram de perto a proeza de Gregório José Mendes e Luís Cândido Pinheiro Furtado. Foram eles que fundaram a feitoria. A expedição foi apoiada também por abastados comerciantes, cujos nomes são conhecidos.

A fortaleza edificada neste local recebeu o nome de S. Fernando, em homenagem ao rei de Portugal; trata-se de D. Fernando II, marido da rainha D. Maria II. A igreja paroquial, por sua vez, foi dedicada a Santo Adrião, em preito de reconhecimento ao governador-geral de Angola, Adrião Acácio da Silveira Pinto.

A 4 de Agosto de 1849, os colonos brasileiros, chefiados por Bernardino Freire de Figueiredo Abreu, desembarcaram no porto desta localidade; tinham feito a viagem a bordo da barca ou nau “Tentativa Feliz”, que fora escoltada pelo brigue “Douro”. Um ano depois, em 26 de Novembro de 1850, desembarcava novo contingente de colonos, que viajou na “Bracarense”, comboiada pela mesma unidade de guerra que acompanhara a primeira expedição.

Sá da Bandeira elevou a nova povoação à categoria de vila, poucos anos após a sua fundação, no ano de 1855; a sua elevação a cidade efectuou-se em 1907, para comemorar a visita do príncipe real D. Luís Filipe.

Moçâmedes foi escolhida para local de cura e de repouso, sobretudo para o funcionalismo público. A junta de saúde enviava para ali os doentes que careciam de mudança de ares e estada em climas saudáveis. Fundou-se um hospício em 1856; algumas dezenas de anos mais tarde, em 1885, era estabelecido o Sanitarium, de que se esperava frutos abundantes na recuperação da saúde daqueles que a longa permanência em Angola tinha depauperado.

Poderá dizer-se que um dos primeiros cronistas da Moçâmedes foi J. F. Pederneira. Poderemos admitir a hipótese de se tratar de João Feliciano Pederneira, professor do ensino primário, com notas biográficas neste trabalho. Contudo, não nos atrevemos a sustentar que o seja, apenas admitimos tal probabilidade.

As referências à sua escola primária vem de 1849, sendo o seu primeiro mestre José Inácio dos Reis. Encontramos a exercer funções de magistério, em Moçâmedes, nas aulas dos dois sexos, mais de quatro dezenas de agentes de ensino. As respectivas notas biográficas são das mais interessantes que podemos registar.




Extracto do Livro ”Primeiras Letras em Angola” - Edição da Câmara Municipal de Luanda - 1973, de Martins dos Santos - Pag.s 74 e 75

pesquisa de João Rafael dos Santos