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22 de agosto de 2006

António Aniceto Monteiro






ANTÓNIO ANICETO MONTEIRO (1907-1980)



2.as Jornadas Técnico-Pedagógicas
Escola Superior de Tecnologia e Gestão
22 e 23 de Maio de 2001, Beja, Portugal

Uma curta viagem pela História da Matemática em Portugal

Teresa Monteiro*


*Área Departamental de Matemática,
Escola Superior de Tecnologia e Gestão,
Instituto Politécnico de Beja,
7800-499 Beja, Portugal,
teresa.monteiro@estig.ipbeja.pt.


Resumo: Uma outra face do estudo da matemática, à qual nem sempre é possível
dedicar-lhe o tempo necessário e merecido, é a história da matemática e o percurso científico-pedagógico e humano de grandes personalidades a ela ligados. Por vezes conhecem-se melhor autores da antiguidade clássica que autores actuais, por vezes conhecem-se melhor autores de nacionalidades estrangeiras que autores de nacionalidade portuguesa... Nestes preciosos minutos façamos uma curta viagem pela história da matemática em Portugal, com destino na vida e obra de Bento de Jesus Caraça, alentejano, nascido a 18 de Abril de 1901 em Vila Viçosa.

Porque a história da matemática tem "beleza que deslumbra, engenho que encanta e grandeza que assombra..." (Francisco Gomes Teixeira).


1.1. INTRODUÇÃO


A matemática é uma ciência tão antiga como a humanidade. Neste momento, constitui um corpo de conhecimento que se desenvolve há mais de 5.000 anos, com os seus altos e baixos e longe de chegar ao fim. Há autores que afirmam que no passado século XX se criou tanta matemática como em todo o tempo que está para trás, mas tal não teria sido possível se o percurso anterior não tivesse sido percorrido com o trabalho e brilhantismo de tantas pessoas a ela ligadas.


O estudo e conhecimento da história da matemática é sem dúvida importante. Para além de termos a obrigação de prestar homenagem a todos aqueles que contribuíram para o seu desenvolvimento e actuais conhecimentos, muitas vezes ajuda a compreensão e interiorização de alguns conceitos que hoje estudamos depois de arrumados, organizados e formalizados.

Como afirmou José Sebastião e Silva (1914 - 1972), natural da vila alentejana de Mértola, "um ensino que não estimule o espírito e que pelo contrário o obstrua com as clássicas matérias para exame só contribui para produzir máquinas em vez de homens". Ora a história da matemática assume um papel importante no estímulo desse espírito dos alunos e ajuda a que estes se apercebam das ideias que estiveram por trás de certas teorias e resultados, quando estes são apresentados na forma de teoremas já acabados. Já agora, cabe aqui salientar que ainda existem muitas perguntas formuladas há séculos e que continuam à espera de respostas. Um desses domínios é a teoria dos números primos. uns "simples" números naturais!.

Já chega de preliminares, vamos então ao assunto de hoje: uma curta viagem pela história da matemática em Portugal.


2.2. BREVE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM PORTUGAL


A fundação da nação dá-se em pleno século XII pela mão de D. Afonso Henriques. Nesta época a Península Ibérica estava ocupada por cristãos e por árabes. A ciência, em particular a matemática, estava no lado dos árabes.

Diz-se que o que caracterizava a matemática dos gregos era a sua pureza geométrica, o que caracterizava a matemática indiana era a audácia na álgebra e a matemática árabe seria caracterizada pela junção das duas qualidades anteriores. A ciência dos últimos entrou na Europa quer pela Península Ibérica, quer por Itália, onde no século XIII, a álgebra heleno-indiana foi introduzida por Leonardo Fibonnacci, de Pisa, que estudou
entre os árabes em viagens que realizou ao longo do Mediterrâneo.

Relativamente às Espanhas, um dos centros mais importantes da cultura intelectual árabe da época foi a Escola de Córdoba, enquanto capital do império de Abd Al-Rahman III (891-961), oitavo emir e primeiro califa de Córdoba. Um outro centro importante das escolas andaluzas foi a cidade de Toledo conquistando o título de Mais Alto Centro Medieval de Investigação Astronómica.

Sob o pretexto da evangelização e com a intervenção das cruzadas, a Santa Sé promoveu violentas lutas entre cristãos e não cristãos. Ao perderem, os sarracenos foram obrigados a recuar para terras de África, legando-nos a sua ciência que por sua vez se terá alimentado da cultura e ciência do povo heleno.


O espírito filosófico das ciências da antiguidade foi perdendo peso na passagem dos gregos para os árabes e dos árabes para os judeus, quando os últimos foram invadidos pelos mouros e fugiram para as Espanhas. Também os judeus espalharam riquezas culturais e científicas por toda a nossa Península, que tinham recebido dos árabes, até serem expulsos de Espanha por Isabel-a-Católica e de Portugal por D. Manuel I (Alcochete, 1469 - Lisboa, 1521), duque de Beja, décimo quarto rei de Portugal, pai de D. João III (1502 - 1557, décimo quinto rei de Portugal) e grande impulsionador da expansão ultramarina.

A História da Matemática em Portugal pode ser dividida em cinco períodos:

I.I- De D. Afonso Henriques até D. João II (1455 - 1495) - período da formação.

II.II- Da morte de D. João II até fins do século XVI - período do brilho.

III.III- Do século XVII até meados do século XVIII - período da pobreza.

IV.IV- De meados do século XVIII até meados do
século XIX - reorganização da Universidade de Coimbra pelo Marquês de Pombal
e fundação da Academia das Ciências de Lisboa.

V.V- De meados do século XIX até ao século XX.


2.1 I Período (séculos XII-XV)

Durante a dinastia afonsina, se é verdade que o povo se amotinou contra D. Fernando e Leonor Teles, não é menos verdade que o mesmo povo aclamou e defendeu com heroísmo o Mestre de Aviz. Foi ainda este povo que mais tarde haveria de surpreender o resto do mundo, quando bem dirigido pelo poder vigente. Não se conhecem registos do estudo da matemática em Portugal neste período, sabe-se simplesmente que se usava a numeração romana para contar.

Os grandes acontecimentos deste período terão sido:

- A formação e organização de Portugal.

- O nascimento da Universidade de Coimbra em 1290, no reinado de D. Dinis.

- O nascimento da marinha portuguesa.

- A preparação dos alicerces para o desenvolvimento do conhecimento científico em Portugal.

Enquanto a nossa nação estava com os olhos postos no mar, a vizinha Espanha estava com os olhos postos no céu.


2.2. II Período (séculos XV-XVI)

Talvez o período melhor estudado da história de Portugal e sem dúvida o período do nosso orgulho. O responsável pelo poder era D. Henrique, o Navegador e o fundador da estação naval de Sagres. Dos muitos acontecimentos ocorridos, podem salientar-se os seguintes:

- Início das navegações em alto mar e desenvolvimento de elementos científicos que permitiram tais ousadias: astrolábio, nónio, quadrante, .

- Descoberta da América por Cristóvão Colombo.

- Descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama.

- Descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral.

- Bartolomeu Dias defronta-se com o Cabo da Boa Esperança.

- Pedro Nunes (1502 - 1578) cria e desenvolve inúmeros ramos da ciência que tem reflexos não só em Portugal como no resto do mundo. De facto, Pedro Nunes, judeu, contemporâneo de Luís de Camões (1524 - 1580), foi cosmógrafo, físico, cosmólogo, geómetra, algebrista e médico. Criou uma nova graduação para o astrolábio que permitia avaliar a altura e distância dos astros em minutos e segundos. Se não inventou, pelo menos aperfeiçoou o nónio (instrumento para avaliar grandezas lineares ou angulares). Inventou um anel graduado em graus, 90 partes iguais, mais eficiente que o quadrante que estava dividido em 45 partes, para determinar latitudes no mar. Nasceu em Alcácer-do-Sal, ensinou D. Sebastião (1554 - 1578, neto de D. João III e décimo sexto rei de Portugal) e morreu logo após a derrota deste, nos areais de Alcácer-Quibir em 4 de Agosto de 1578. A sua obra científica e pedagógica eleva Portugal ao ponto mais alto do conhecimento matemático na Península Ibérica. O seu mérito foi reconhecido ainda em vida pelos monarcas portugueses.

- Portugal cai como nação e passa para o domínio de Castela.

2.3. III Período (séculos XVII-XVIII)

Período de grande actividade na Europa que não foi acompanhada no nosso país. Depois da tragédia de Alcácer-Quibir, sobe ao trono D. Henrique, um inquisidor, um fanático, um decrépito, . uma sombra. Para ajudar a desgraça, sucedem-lhe no trono português três reis castelhanos. Com a revolução de 1640, o trono é ocupado pelo português, D. João IV. Segue-lhe Afonso VI, um louco, depois Pedro II, um imoral, e por fim D. João V, monarca faustoso e pródigo que legou ao seu sucessor D. José I uma nação arruinada.


Enumeram-se em seguida algumas individualidades estrangeiras implicadas em grandes momentos do conhecimento físico-matemático europeu.

- Viete criou a álgebra moderna.

- Kepler e Galileu fizeram descobertas físico-matemáticas.

- Descartes e Fermat, inventaram a Geometria Analítica.

- Newton e Leibnitz inventaram o cálculo dos infinitamente pequenos.

- Newton descobriu a Mecânica Racional.

- Desenvolveram-se os trabalhos de Mac-Laurin, Bernoullis, D' Alembert, Euler, Lagrange, Laplace.

O período de decadência em Portugal poderá ser o reflexo dos factos seguintes, decorridos ao longo do período anterior:

- Êxodo dos judeus no tempo de D. Manuel I.

- Introdução no país do Tribunal do Santo Ofício por D. João III.

- Entrega por D. João III de todo o ensino nacional, incluindo o universitário, ao conservadorismo da Companhia de Jesus recentemente fundada, que não deixou introduzir no país as mais recentes descobertas científicas.

- Descrédito da astrologia.

- Decadência da navegação portuguesa.


2.4. IV Período (séculos XVIII-XIX)

Poucos anos depois de D. José I ter subido ao poder, Portugal está próspero, organizado e disciplinado. A razão deste milagre deve-se ao Ministro Sebastião José de Carvalho, o Marquês de Pombal. Porém, nem tudo o que é belo acaba bem. Morto D. José I, em 1777, o Marquês de Pombal é deposto do poder por D. Maria I, mas a sua obra fica.

Os acontecimentos chave para a matemática foram:

- 1772 - Fundação de uma Faculdade de Matemática na Universidade de Coimbra.

- 1779 - Fundação da Academia das Ciências de Lisboa no reinado de D. Maria I.

- Vida e obra do matemático Monteiro da Rocha (1734, Canavezes - 1819, Ribamar), determinou as órbitas parabólicas dos cometas e previu eclipses do Sol.

- Vida e obra do matemático e poeta José Anastácio da Cunha (1744, Lisboa - 1787, Real Casa Pia do Castelo de São Jorge), desenvolveu e foi pioneiro em alguns aspectos da teoria das séries e da teoria dos números irracionais. Vítima da Inquisição num Auto de Fé do Tribunal do Santo Ofício em 1778, foi acusado de ser racionalista e condenado a três anos de prisão, seguidos de cinco anos de degredo em Évora, não tendo maior pena por não ter feito propaganda das suas ideias.


2.5. V Período (séculos XIX-XX)

Ao abrir o século XIX, Napoleão Bonaparte estava no auge da sua glória. A situação política internacional portuguesa estava perigosa, como se confirmou com a guerra do nosso país contra França e Espanha, coligadas e a perda de Olivença. Napoleão não desistiu à primeira e invadiu Portugal mais duas vezes, mas sem êxito. Na terceira e última invasão juntou-se a nós um exército inglês. Bonaparte pretendia vencer economicamente a Inglaterra e esta temia um bloqueio continental.

No século XX, viveu-se a ditadura de Salazar e de Marcelo Caetano. Existem muitas perseguições, exílios e outros atentados humanos e científicos que em nada terão ajudado o bem-estar das pessoas e o bom desenvolvimento da ciência em Portugal.

Neste período destacam-se os matemáticos:

- Daniel Augusto da Silva (16 de Maio 1814 - 6 de Outubro 1878), natural de Lisboa. Trabalhou na teoria dos binários (forças iguais, paralelas e de sentidos opostos) e outras teorias da Mecânica e teoria dos números. Foi contemporâneo de Mobius e Darboux.

- Bento de Jesus Caraça (18 de Abril 1901 - 25 de Junho 1948), natural da vila alentejana de Vila Viçosa. O homenageado de hoje.

- Ruy Luís Gomes (1905 - 1984), antigo Reitor da Universidade do Porto. Trabalhou conjuntamente com António Aniceto Monteiro. Foi demitido de professor catedrático da Universidade do Porto, perseguido pela PIDE e várias vezes preso. Acabou por abandonar Portugal em 1958 rumo à Argentina, onde estava António Monteiro, seguindo-se o Brasil, Recife, onde se encontravam Zaluar Nunes, Pereira Gomes e José
Morgado. Após o 25 de Abril de 1974, regressa a Portugal e é aclamado Reitor da Universidade do Porto, 27 anos depois de ter sido expulso do ensino universitário.

- António Aniceto Monteiro (1907 - 1980), natural de Mossâmedes, Angola, é afastado pela ditadura em 1945 primeiro para o Brasil, depois para a Argentina. Regressa a Portugal ao fim de 32 anos, em 1977, por um curto período de dois anos, a convite do Instituto Nacional de Investigação Científica e volta para a Argentina onde acaba por falecer. É um dos fundadores da Gazeta da Matemática (1940), da Sociedade Portuguesa de Matemática (1940) e da Junta de Investigação de Matemática no Porto (1943). Contemporâneo de Albert Einstein, foi recomendado por este à Faculdade de Filosofia do Brasil, Rio de Janeiro, onde desenvolveu notáveis iniciativas. Por pressões da Embaixada de Portugal, viu-se obrigado a abandonar o Brasil e caminhar rumo à Argentina. Os seus mais de cinquenta trabalhos são na área da álgebra e da lógica.

- José Sebastião e Silva (12 de Dezembro 1914 - 25 de Maio 1972), natural da vila alentejana de Mértola. Escreveu duas teses para provas de doutoramento, uma de Lógica Matemática e outra de Análise Funcional. A primeira totalmente concebida num período de quatro anos em Itália durante a II Guerra Mundial, a segunda essencialmente escrita no mesmo período, surgiu por receio da anterior não ser aceite em Portugal. Para além de investigador, foi um ilustre pedagogo.


in http://pubol.ipbeja.pt/Artigos/hist.mat.port.htm

pesquisa de João Manuel Mangericão





BIOGRAFIA




Nascido em Angola, em 1907, concluiu a licenciatura em Ciências Matemáticas, na Faculdade de Ciências de Lisboa em 1930 e, como bolseiro da Junta de Educação Nacional (futuro Instituto para a Alta Cultura), doutorou-se na Universidade de Paris em 1936, com uma tese intitulada Sur l'additivité des noyaux de Fredholm, realizada sob a orientação de Maurice Fréchet.

Regressado a Portugal, funda (com Manuel Valadares, Marques da Silva, António da Silveira, Peres de Carvalho e outros) o Núcleo de Matemática, Física e Química, que promoveu vários cursos, conferências e publicações.

No ano seguinte, com a cooperação de Hugo Ribeiro, Silva Paulo e Zaluar Nunes, funda a revista Portugaliae Mathematica, em cujo Primeiro volume (1937) publica a sua tese de doutoramento. Em 1939 cria o Seminário de Análise Geral, que começa por funcionar numa sala da Faculdade de Ciências de Lisboa e depois no Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa, dirigido pelo Prof. Pedro José da Cunha, para «iniciar um grupo de jovens no estudo das matemáticas modernas», grupo esse de que se hão-de destacar Hugo Ribeiro e Sebastião e Silva. Com outros matemáticos, funda em 1940 a Sociedade Portuguesa de Matemática, da qual é eleito primeiro secretário-geral, e, no mesmo ano (com Bento Caraça, J. da Silva Paulo, Hugo Ribeiro e Manuel Zaluar Nunes), a revista Gazeta de Matemática, que pretendia ser «um instrumento de trabalho e um guia para os estudantes de Matemática das escolas Superiores portuguesas ... ».

Estas e outras actividades de António Monteiro tiveram grande eco na Faculdade de Ciências do Porto, em finais dos anos 30, que, por iniciativa de Ruy Luís Gomes, convida António Monteiro para uma série de conferências e lições sobre temas actuais de matemática e outros contactos, de que vem a resultar a criação do Centro de Estudos Matemáticos do Porto (1941) e a Junta de Investigação Matemática (1943), para os quais António Monteiro dá uma colaboração decisiva. Das iniciativas desenvolvidas por António Monteiro durante a sua estada no Porto resultaram os «Cadernos de Análise Geral» («Cadernos de introdução ao estudo das modernas correntes do pensamento matemático, publicados pela Junta de Investigação Matemática»), compreendendo cerca de vinte monografias baseadas em cursos, colóquios e lições realizados em domínios fundamentais, como Álgebra Moderna (dirigido por A. Almeida Costa), Topologia Geral, (António Monteiro), Teoria da Medida e Integração (Ruy Luís Gomes), Geometria das Distâncias (Aureliano de Mira Fernandes) e Teoria das Estruturas e Problemas dos Fundamentos (Hugo Ribeiro).

Em todo este tempo (1938-43» António Monteiro vive de lições particulares, de um trabalho remunerado no Serviço de Inventariação da Bibliografia Científica, criado pelo instituto para a Alta Cultura, e de uma dotação aquando da sua estada no Porto. A universidade portuguesa fechava-lhe as portas, enquanto a Universidade de Filosofia do Brasil (Rio de Janeiro) o convidava para a cátedra de Análise Superior, sob recomendação de A. Einstein, J. Von Neumann e Guido Beck.

Em 1945 parte para o Brasil e uns anos mais tarde instala-se na Argentina. A sua acção nestes países é relatada no vol. 39 (1980) da Portugaliae Mathematica que lhe é dedicado, e aí publica o seu último trabalho, a memória Sur les Algèbre, de Heyting Symétriques, premiada em 1978 pela Fundação Calouste Gulbenkian e redigida durante a sua única estada em Portugal (1977-79) depois do exílio.

A obra científica de António Monteiro compreende mais de 50 trabalhos de investigação, na maioria versando sobre álgebras de lógicas não clássicas, assunto este em que foi um dos pioneiros e lhe granjeou reputação internacional e muitos discípulos. A sua produtividade, até ao fim da vida, é um dos raros casos no panorama matemático. Em carta a Pereira Gomes (31 de Maio de 1979) escreve: «Comecei de novo a levantar-me às 4 ou 5 da manhã para trabalhar. São tão lindos os temas sobre os quais estou trabalhando ... ».

Faleceu em Babia Blanca, na Argentina, em 29 de Outubro de 1980.


in http://www.eb23-sta-clara-guarda.rcts.pt/monteiro.htm ac.22.08.2006


pesquisa de Admário Costa Lindo

20 de agosto de 2006

Baía dos Tigres. do nome

O texto que se segue resulta da colagem de excertos de uma conversa virtual mantida no sítio SanzalAngola, no fórum Que se Passa? » Cultura Angolense, entre 19 de Abril e 10 de Maio de 2005.

http://www.sanzalangola.com/forum/thread.php?threadid=9202&sid= ac. 20.08.2006


Tomás Gavino, 19.04.2005:

Eu tenho várias dúvidas, mas há uma que me vem perseguindo há algum tempo: existem diversos escritores, angolanos ou não, desde Cadornega a Óscar Ribas, a Manuel Pacavira, e mais, que mencionam LOBOS nas matas angolanas! Lobos!!!

Óscar Ribas, por exemplo, ao mesmo tempo que fala de lobos, fala também de hienas, mabecos e chacais, por isso sabe bem do que está a falar!
Manuel Pacavira é um escritor actual, angolano, que não pode desconhecer que em Angola nunca houve lobos!

Ou será que houve?



Campos de Camacupa, 19.04.2005:

Essa de lobos em Angola faz lembrar uma mais antiga de Alexandre Dumas que num conto infantil também localizou tigres precisamente em Angola...



Campos de Camacupa, 21.04.2005:

Eu não sabia que Cadornega também havia localizado tigres em Angola, mas li um dia há muitos anos a passagem do pequeno livro infantil de Dumas em francês onde ele descreve as aventuras de um navegador que chega à costa de Angola e avista os ditos tigres.


Admário Costa Lindo, 22.04.2005:

"O tigre começou há 500.000 anos a evoluir lentamente para a sua forma actual. Durante a migração em direcção às regiões mais quentes, adaptou-se progressivamente aos novos habitats. O caminho para sul conduziu-o para as florestas tropicais e para as ilhas do Sudoeste Asiático até à Manchúria, à Coreia do Sul, à China e ao Vietname..." (1)

Os pontos mais a sul do Equador atingidos pelos tigres foram as ilhas de Samatra e Java.

Os estudos efectuados permitem concluir a existência de 8 subespécies de tigre:

Tigre-real ou tigre-de-bengala, Panthera tigris tigris, "vive nas florestas tropicais húmidas de Assam ou de Bengala, mas também nas florestas pantanosas do Sudoeste e do Norte da Índia, bom como nas do delta do Ganges. Também vive nas regiões de altitude, na vegetação alpina e nas florestas de folha caduca do Nepal, na região dos Himalaias. Encontra-se ainda nas florestas de bambu da Índia Central, nas savanas e bosques da região do Terai e na floresta mista seca chamada monsónica (árvores de folha perene e árvores de folha caduca), na Índia Setentrional." (1)

Tigre-da-indochina, P. t. Corbetti, "vive nas florestas densas da Birmânia e nas florestas e savanas da Indochina."

Tigre-da-china, P. t. Amoyensis, "vive nas savanas, nas florestas de carvalhos e de choupos e nas montanhas da China Central e Ocidental, cobertas de carvalhos, de coníferas e de fetos arbóreos."

Tigre-do-cáspio, P. t. virgata, extinto desde meados do séc. XX, vivia nas "zonas de aluvião ao longo das margens dos rios, coberta de árvores ou de arbustos, hoje completamente destruída. No Irão habitava nas encostas das colinas, protegido pela vegetação densa."

Tigre-da-sibéria, P. t. altaica, "encontra-se nas florestas boreais (carvalhos e coníferas)."

Tigre-de-samatra, P. t. sumatrae, "vive na floresta tropical húmida da ilha de Samatra, exuberante de palmeiras, lianas, orquídeas, arbustos e árvores de grande porte."

Tigre-de-Java, P. t. sondaica e Tigre-do-bali, P. t. balica, hoje extintos, viviam no mesmo habitat do tigre-de-samatra.

Os Tigres Brancos não pertencem a nenhuma subespécie, são antes uma variedade do tigre-de-bengala. ""A cor branca é devida a um carácter recessivo do património genético, que se torna carácter dominante - e portanto manifesta-se - quando ambos os progenitores são portadores deste género "mutante" responsável pela cor."" (1)

Tudo isto serve para afirmar que o habitat do tigre se situa bem longe de Angola.

Se escritores, navegadores ou mesmo cientistas deixaram em escritos a presença deste felídeo em terras angolanas só pode ter sido por descuido ou estupidez. E eu digo o porquê da "estupidez":

É certo e sabido que dezenas se não centenas de exploradores, navegadores e mesmo cientistas, todos eles imbuídos de objectivos científicos, fossem eles quais fossem, passaram ao lado da soberba Welwitschia mirabilis, uma planta que, pelas suas dimensões, não pode passar despercebida. Pois dela ninguém deu notícia até Frederico Welwitsch a descobrir, EM MEADOS DO SÉC. XIX.

Descuidos como estes podem provocar hilaridade, hoje em dia, mas são irreparáveis. Ao ponto de ninguém, com poder para tal, se sentir motivado para reparar erros históricos.
Um dos casos é Baía dos Tigres

Baía dos Tigres é um topónimo que não tem sentido nenhum, nem mesmo histórico, uma vez que, como vimos acima, nunca houve tigres em Angola. O motivo da sua manutenção nem é, sequer, nostálgico, uma vez que inúmeros topónimos angolanos se alteraram após a independência.

Porque será que Diogo Cão e os seus marinheiros enviaram tal nome para o futuro?

Se nos dermos ao trabalho de seguir a descrição que Pedro Rosa Mendes faz daquela baía (numa viagem que iniciou em 1997, descrita em livro e que tentava reconstituir a célebre De Angola à Contracosta de Capelo e Ivens) estaremos assim tão longe daquilo que os marinheiros então avistaram?

"A Baía tornou-se uma ilha quando faltou a água. Houve um tempo em que o mundo tocou lá com uma ponta de asfalto. Tudo mudou quando as casas perderam os donos. As marés venceram a estrada e separaram do continente esse punhado de areias. Ninguém mais voltou à ilha ... Para trás ficaram os cães domésticos. A insularidade apagou-lhes todos os reflexos não exigidos pela luta como sobrevivência. As gerações seguintes nasceram em doses crescentes de raiva e embrutecimento ... Aves migratórias com ninho estrangeiro, cardumes reflectidos no luar, lacraus prontos a ferrar a dor, cactos de espinhos: a nada conseguiam chegar, cão come cão, cão mata enquanto não morre. Os cães eram os únicos mamíferos na ilha mas perderam finalmente a memória do amamentar... A Baía é uma praia farpada a medo. Diz-se que os cães comem gente e gente não apura a verdade. Os tigres são isto." (2)



Tomás Gavino, 24.04.2005:

BAÍA DOS TIGRES
Que tigres? Seriam tigres marinhos, do tipo leão marinho?
Pode ser...

Se não, qual a origem do nome?



Saparalo (Orlando Salvador), 24.04.2005:

Quanto à nossa Baia dos Tigres, a versão mais lógica e constante em várias publicações históricas é a de que os navegadores que passavam ao largo da grande baia com rota a outros destinos viam de longe , na costa , umas listas escuras nas areias "dunas" que eram sombras sobre o deserto.
De muito longe pareciam peles de tigres, e daí referenciarem aquela área como a Baia dos Tigres.

Há uma outra versão ligada ao facto de terem existido há muitos, muitos anos, na praia, muitos cães grandes e que bebiam a finíssima película de agua doce que o mar tinha. Os cães seriam bravos, mas não liga muito bem esta versão. A outra, sim, é narrada pelos antigos navegadores nas descrições das suas viagens.



Admário Costa Lindo, 26.04.2005:

Como já aventei anteriormente o topónimo Baía dos Tigres (ou S. Martinho dos Tigres, em memória do seu padroeiro) deriva de um "erro histórico irreversível". Porque nunca houve tigres em África, tampouco em Angola.

É certo que as hipóteses avançadas pelos historiadores procuram encontrar uma explicação para a origem do nome. Como diz o caro confrade Orlando Salvador, "umas listas escuras nas areias que eram sombras sobre o deserto" e que "de muito longe pareciam peles de tigres" é uma dessas hipóteses. Mas não tem consistência por aí além, penso eu.

Confundir sombras das dunas com peles de tigres é um tanto surrealista. Ou talvez não! Mas os marinheiros de então não tinham conhecimento preciso do aspecto de um tigre.
Estamos no séc. XV. ""No séc. III a.C., um general de Alexandre apresentou aos Atenienses o primeiro tigre que foi visto na Europa... Depois da queda do Império Romano, a recordação da espécie desapareceu a tal ponto que, no séc. XIII, Marco Pólo se mostrou muito surpreendido com este "GRANDE LEÃO", com uma soberba pelagem às riscas pretas, que descobrira na corte do imperador mongol Kublay Kham."" (1)

A Baía em causa não era, nem é, tão insignificante que os marinheiros a baptizassem apenas por a terem avistado "de muito longe". Com efeito, "a capacidade em navios fundeados é de 114 para Luanda, de 70 para o Lobito, de 66 para Moçamedes e de 136 para Porto Alexandre, enquanto na Baía dos Tigres podem estar fundeados 5.427!" (3)
A importância desta baía foi tal para os navegadores portugueses que ""Bartolomeu Dias partiu de Lisboa a finais de Agosto de 1487, comandando uma esquadra de três navios, dos quais, dois eram caravelas e o terceiro, uma "naveta" com mantimentos, destinada a ficar em lugar seguro, algures na costa africana... Até esta viagem, não temos notícia que se tenha tomado uma medida semelhante e a circunstância em si não pode deixar de ser significativa de um receio ou apreensão acerca do que aguardava os marinheiros para além daquelas paragens... o local escolhido foi a baía dos Tigres..."" (4)
Isto atesta o franco conhecimento que os marinheiros tinham da baía, que não poderia ter sido adquirido apenas vendo-a "de muito longe".

Resta-nos tentar descobrir que animais teriam eles visto, efectivamente, in loco.

Na província do Namibe "entre os felinos, além das pequenas espécies como o gato selvagem - Geneta felina (a) - e o lince - Felis caracal (b) - temos o chamado rei dos animais, o celebrado leão - Felis leo (c) - animal consagrado como símbolo da força... Circulam por toda a região duas espécies de leopardos - Felis pardus (d) e Cinaelurus jubatus (e) - aos quais, erradamente, MUITOS CHAMAM ONÇAS OU TRIGRES, animais do oriente, que não habitam no continente africano... São vulgares as hienas, - Hyaena brunnea e Hyaena crocuta - e os cães selvagens ou mabecos - Lycaon pictus - animais de grande ferocidade quando em matilhas..." (6)

Seriam então leopardos? Ou chitas?

A versão dos cães não liga tão mal assim. É que os canídeos e a Baía dos Tigres estão intimamente (ou umbilicalmente?) ligados. Veja-se o que nos diz Henrique Abranches:

[ o excerto que se segue, da obra de Abranches atrás referida, sobre a ancestral ligação entre Baía dos Tigres e os cães, não foi, por lapso, incluída no fórum]

“Pedro Mbala sabia dos cães. Muita gente ouvira falar, de maneira mais ou menos vaga, sobre esses bizarros cães da Baía dos Tigres. Contavam-se versões diversas. Uma delas referia que no século XVIII um navio ainda não identificado naufragara ao largo dos Tigres. Os cães, aparentemente de várias raças, vinham a bordo e foram os únicos sobreviventes. Nadaram para a costa, encontraram um habitat duro e pobre, mas sem alternativa. Adaptaram-se a ele comendo principalmente o peixe morto que vinha dar à praia, ou as ovas de peixe tão abundantes que por vezes tingiam as águas da baía de um tom laranja; outras vezes caçavam raposas, perseguiam as aves marinhas com técnicas de guerrilha, dois atrás, pés na água, e um pela frente impedindo a vítima de tomar velocidade para levantar voo, ou ainda banqueteando-se com um ou outro cachalote, vindo misteriosamente acabar os seus dias no saco da baía que, a avaliar pelos enormes maxilares e costelas ósseas espalhados pela praia, parecia ser um cemitério consagrado pelos cetáceos. Uma outra versão contava que em tempos recuados instalara-se em Moçamedes uma epidemia de raiva e a Administração ordenara a morte de todos os cães. Mas algumas pessoas, apiedadas dos animais, meteram-nos a bordo de uma barcaça e rumaram para o Sul para os deixar em qualquer praia, bem longe, mas em vida. Foi assim de desembarcaram os seus invulgares passageiros na Baía dos Tigres. Contudo não havia por lá nenhuma nascente, nenhum curso de água, mas esses admiráveis animais aprenderam depressa que a espuma das ondinhas que molhavam o areal não era salgada e, nos longos marasmos do vento, a água inerte com um espelho, lambiam a superfície que também não tinha sal. Nesse ambiente cruel, aprenderam a viver e multiplicaram-se, tornando-se eles próprios tão cruéis como o meio.” (5)

Mas atendo-nos apenas ao relato de Pedro Rosa Mendes substituamos os cães por mabecos (também canídeos). Para quem, como os navegadores do séc. XV, ouviu falar em tigres mas nunca os viu e jamais viu ou ouviu sequer pronunciar o nome dos mabecos, as manchas ou malhas destes não poderão equivaler a listas?



Tomás Gavino, 26.04.2005:

E se foram avistados tubarões-tigre?
Também não é uma hipótese de descartar, julgo.



Admário Costa Lindo, 10.05.2005:

Na minha última aquisição bibliográfica descobri um novo facto histórico.

Os historiadores dos Descobrimentos (e não só) referenciam os lugares geográficos, regra geral, apresentando os topónimos arcaico e moderno (caso exista).

Para nos mantermos na região em questão:

Angra das Aldeias = Porto Alexandre
Angra dos Negros = Moçamedes.

Eu já tinha notado que a Baía dos Tigres não tinha designação arcaica, ou melhor, que a designação sempre fora a mesma. Mas daí nunca tirei qualquer ilação. Não é caso único.

Engano redondo! O que descobri deixou-me banzado!

"... Diogo Cão, ultrapassando o cabo do Lobo, deteve-se no cabo Negro, onde colocou o seu 3º padrão, em 16 de Janeiro de 1485 (ou 1486); e cabo Negro, porque o monte, na costa, rodeado de areia, cobria-se de mato raso, que o escurecia. A região era quase deserta.
A seguir, a armada fundeou na angra das Aldeias (Porto Alexandre), assim classificada em virtude das duas aldeias indígenas ali encontradas, cujos habitantes se dedicavam à pesca. Depois, descendo mais abaixo, o navegador entrou na Manga das Areias (Baía dos Tigres) , com duas léguas na largura da boca, estendendo-se cinco ou seis, pela terra dentro, e com 12 a 15 braças de fundo. Também aqui o peixe era a riqueza exclusiva. Os negros mantinham-se com ele e construíam abrigos com costelas de baleias que davam à costa e com seba [A] do mar. Tudo o mais era areal confrangedor, desprovido de água, enquanto a navegação era difícil e perigosa, fora da reentrância grandiosa e acolhedora." (7)

Bem remoída a questão da existência de uma designação anterior, Manga das Areias , fácil é concluir que o topónimo Baía dos Tigres é posterior à Descoberta e não foi o topónimo escolhido pelos navegadores.

Sem esforço de maior também se conclui que a tese das "riscas formadas por sombras nas dunas, observadas de longe pelos navegadores", passa para a secção das lendas, ou para as calendas gregas.

Fica de pé, portanto, a hipótese da fauna mamífera encontrada, resultante de observação directa. Sobre isto nada tenho a acrescentar ao que já foi dito (até ver!!!).



colagem da responsabilidade de
admário costa lindo

notas

(A) Algas

taxonomia actual:
(a) na verdade uma gineta, Nandinia binotata
(b) também conhecido por caracal ou lince-caracal
(c) Panthera leo
(d) Panthera pardus
(e) Acinonyx jubatus , a chita.

bibliografia citada:
(1) MADIER, Monique; Christine Sourd, Thérèse de Cherisey, Sylviane Debus e. O Tigre , in Vida Selvagem, Animais da Floresta Tropical-1 , Selecções do Reader's Digest, Lisboa, 1995

(2) MENDES, Pedro Rosa. Baía dos Tigres , Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1999

(3) TEIXEIRA, Pimentel. Breve Notícia, in Semanário "O Sul de Angola", Número Comemorativo do Centenário da Fundação de Moçamedes, Moçamedes, 04.08.1949

(4) MATOS, J. Semedo de. A Marinha Joaninha , in Revista da Marinha, Junho de 1999, http://www.marinha.pt/extra/revista

(5)
ABRANCHES, Henrique. Os Senhores do Areal , Campos das Letras, Porto, 1998.

(6) TEIXEIRA, Pimentel. Animais da Selva, in Semanário "O Sul de Angola", Número Comemorativo do Centenário da Fundação de Moçamedes, Moçamedes, 04.08.1949.

(7) DELGADO, Ralph. História de Angola, Primeiro Período e Parte do Segundo 1482 a 1607 , 1º volume, edição do Banco de Angola, s/data e nº de edição. (inclui "Introdução da primeira edição", com data de 30/06/1946), pg. 68.