“Assim se passaram três séculos e meio sem que fosse iniciada a colonização e ocupação efectiva das terras do Cabo Negro. Para o Sul, a vida do homem parecia quase impossível. A paisagem era desoladora. As areias movediças, batidas pelo vento, avançavam impiedosamente para o Norte. Não havia vegetação. Não havia água, não havia nada.
“Mas o termo de posse firmado pelo primeiro homem branco a pisar esta região do Globo, impunha-nos não só um direito como também um dever: ocupar efectivamente e colonizar, ainda que para tanto fossem necessários os maiores sacrifícios.
“Por outro lado, a viagem do explorador francês João Baptista Douville, de 1827 a 1830, ao interior africano, e a sua estadia no porto de Moçamedes, a que fez referência detalhada num trabalho apresentado ao Governo do seu país, editado em 1830, levou Portugal a pensar a sério na ocupação e colonização destas terras. Porém, somente em 1854 foi possível tal realização. Assim é que, em 6 de Dezembro daquele ano, dois navios de guerra portugueses – o brigue Serra do Pilar e o brigue-escuna Trindade - fundearam na enseada do Pinda, formada a Norte pela ponta do Cabo Negro e a Sul pela restinga da velha Angra das Aldeias.
“A bordo do primeiro navio vinha o major Marcelino António Norberto Rudzki, encarregado de formar a nova colónia, nas terras desertas do Sul, conforme portaria provincial de três de Novembro daquele mesmo ano. No segundo vinham homens e material para a construção das novas instalações militares.
“Passados dois dias, no cimo da falésia sobranceira à enseada, já flutuava a bandeira azul e branca e era iniciada a construção do novo estabelecimento.
“À iniciativa oficial seguiu-se a particular, e, pouco tempo depois, o comerciante Manuel Joaquim de Sousa Monteiro ergueu, junto à primeira feitoria, uma casa destinada a um estabelecimento.
“Estes foram os primeiros. Estavam lançadas as bases, embora num ponto onde hoje nada existe, a não ser as actuais instalações piscatórias da margem esquerda do Curoca, junto à foz, perto do primeiro local.
“As primeiras iniciáticas foram infrutíferas, mas é possível que tenham estimulado as que se seguiram anos mais tarde. A terra era muito pobre e habitada somente no Vale do Curoca, a uns dez quilómetros para Leste. O gentio reduzia-se a umas dezenas de Cuepes, do grupo Khoisan, denominado geograficamente por Curocas. Viviam miseravelmente. De tempos a tempos deslocavam-se para outras localidades no pascigo de pequenas manadas de que dispunham e a região ficava totalmente deserta. Só com o comércio não era possível iniciar ali a fixação de brancos e negros. Impunha-se a indústria da pesca, naquele local, onde o mar era generoso, e a agricultura nas margens do referido Curoca. Por outro lado, no tempo das grandes chuvas, na região planáltica, o rio enchia assustadoramente, provocava correntes torrenciais, muito perigosas, e não dava passagem da margem Sul para Norte, durante meses. As novas feitorias ficavam na zona puramente desértica, da margem esquerda, portanto isoladas durante as chuvas. Talvez o sítio tivesse sido mal escolhido …
“Surge, efectivamente, a colonização de Porto Alexandre. A designação de Angra das Aldeias já não passava de um ornamento histórico. Por alturas de 1835, o explorador inglês, Sir James Alexander, certamente com autorização do Governo Português, visitou as terras do Sul de Angola, passando, a partir daquele altura, as cartas inglesas a marcar aquela Angra (e até muito mal localizada), com o nome de Port Alexander. Os portugueses aceitaram, cómoda e erradamente o topónimo. No entanto a terra era nossa e, em 1850, heróicos algarvios, os pioneiros da ocupação de todas as nossas baías do Sul e Norte da cidade capital do Distrito, fundaram ali as primeiras quatro feitorias. João Dolbeth e Costa, José Nogueira e um outro colono de apelido Botelho, são indicados como tendo sido os primeiros. Outros se lhe seguiram. Dois anos mais tarde, entrou em Porto Alexandre o caíque Flor de Maio com mais um grupo de abnegados olhanenses.
“Foi esta gente audaz que venceu a dureza e a desolação do terreno, numa ausência confrangedora de conforto. Foram estes homens humildes do nosso povo que venceram a fome, a sede e o tremendo isolamento, escondidos entre as dunas e o mar, batidos constantemente pelo vento agreste, que fustiga sem piedade.”
Moreira (1)
pesquisa de Admário Costa Lindo
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