Em 1482, chegaram ao Congo os primeiros portugueses, comandados por Diogo Cão. Estes homens encontraram congoleses e quiseram fazer conhecimento com eles. 1, 2
O rio Poderoso 3
Em seguimento da sua política de expansão. D. João II mandou, em 1482, uma pequena frota, comandada por Diogo Cão, escudeiro da casa real, continuar o descobrimento da costa africana, para cá do cabo de Santa Catarina, última etapa atingida por Rui de Sequeira.
O neto de Gonçalo Cão deixou o Tejo em princípios do ano, com um número desconhecido de navios, mas não superior a três, em direcção à Mina. “lugar onde se podia prover de alguma necessidade”.4 Trazia consigo mercadorias e presentes, para comercializar e homenagear os potentados do percurso.
As instruções régias condicionavam-lhe o andamento ao longo da terra, para tomar contacto com as suas gentes, com as suas possibilidades, com as suas rotas e conhecenças; e, cumprindo-as, viajou cautelosamente, para afastar perigos possíveis, sendo vítima, apenas, dos temporais.
Diogo Cão visitou e baptizou, entre outros, estes lugares: As Duas Moutas (Mamas de Banda), a Praia Formosa de São Domingos (Loango), a Praia Branca (Lândana), a ponta da Barreira Vermelha (Molembo) e o cabo do Paul; e, ao aproximar-se do Zaire, cuja presença lhe foi anunciada pela corrente caudalosa do rio, “que a vinte léguas da costa se acham as suas águas doces”, torneou estas, entrando no estuário de margens rasas, surgido como aparição convidativa e acariciadora. Resultando da confluência de vários rios, de caudal formidável e impetuoso, o Zaire estava enxameado de almadias de negros, transportes fluviais predilectos do território.
Os marinheiros desceram na margem esquerda, coalhada de gente estupefacta; e, tanto por mímica como por palavras, Diogo Cão soube encontrarem-se em terras do grande Manicongo, 5 cuja residência ficava no interior do país, as quais os Portugueses logo baptizaram com o nome de Congo.
Depois das primeiras impressões e dos primeiros contactos, surgiram, naturalmente, as primeiras deliberações, inerentes à missão espinhosa: o rio foi distinguido com o nome de rio Poderoso, devido ao seu volume de água; 6 e na foz, numa ponta, foi colocado o padrão de São Jorge, sítio baptizado, mais tarde, com o nome de ponta ou cabo do Padrão. 7
Até ali, a posse da costa fora atestada por cruzes de madeira; de então em diante, a pedra substituiu o lenho, pela duração do material, provável inspiração dos padrões romanos do Norte de Portugal, que marcavam as distâncias das estradas.
Salientado com o nome do santo devoto do rei, o padrão era encimado por um capitel, em forma de paralelipípedo, tendo numa das faces as armas reais e nas outras o nome do monarca que ordenara o descobrimento, a data e o nome do capitão que o praticara: “Na era da criação do mundo de 6681 anos, do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1482 anos, o mui alto, mui excelente e poderoso príncipe el-rei D. João II de Portugal mandou descobrir esta terra e pôr estes padrões por Diogo Cão, escudeiro de sua casa.” 8
Estava-se, possivelmente, em fins de Maio de 1483.
O príncipe do Sonho, habitando a foz do rio, no lugar de Praza, foi o primeiro régulo com quem privou Diogo Cão, dentro da mais cativante cordialidade; boas relações que permitiram, ao capitão, a escolha e o envio de uma pequena embaixada a Manicongo, com presentes e notícias da chegada da armada de el-rei de Portugal. Vivendo em amizada com todo o mundo, o soberano português solicitava também a do famoso chefe, desejando ter com ele e junto dele todo o trato e prestança. 9
Enquanto os seus emissários se internavam no Congo, para visitar Nzinga-a-Cuum, o descobridor do Zaire continuou a viagem para o sul.
[…]
Regresso, à Metrópole, de Diogo Cão
Os emissários portugueses enviados à corte de Nzinga-a-Cuum foram recebidos festivamente; e tão grande prazer causou a sua visita, tanto os desejou ouvir o monarca negro, que os reteve, na capital, sem licença para voltarem à beira-mar.
Neste ínterim, Diogo Cão alcançou o Zaire, de retorno a Lisboa; e, não encontrando os seus mensageiros, supô-los aprisionados ou mortos, resolvendo continuar a viagem para o norte. No entanto, como os pretos do Sonho entravam e saíam dos navios, a seu talante, confiados nos marinheiros, prendeu quatro e levou-os para Portugal. Não os tomou, porém, como cativos, mas esperançado em civilizá-los, para os trazer de novo ao seu país; e dos seus projectos deu conhecimento às gentes da terra, prometendo restituí-los, com muita honra e riqueza, quando passassem quinze luas. Por esta forma o capitão assegurou a integridade dos companheiros retidos no interior do território, na hipóteses de ainda serem vivos.
À chegada a Portugal, os Congueses foram carinhosamente recebidos, como foram esplendidamente tratados a bordo. D. João II exultou, ao vê-los, representantes que eram da fidalguia conguesa. Vestiram-nos com boas fazendas; dispensaram-lhes atenções cativadoras; e confirmaram-lhes as promessas do navegador, feitas à partida do Zaire, com ensino dos usos portugueses e das práticas religiosas e com o contacto com algumas realidades nacionais.
Decorridos alguns meses, Diogo Cão recebeu instruções para voltar ao Congo, em cumprimento da sua palavra honrada.
1. História de Angola, Edições Afrontamento, Porto, 1975, pg. 50. Obra atribuída ao MPLA e editada originalmente em Argel.
2. Diogo Cão levou para Portugal alguns congoleses. [Nota da o.c.]
3. DELGADO, Ralph. História de Angola, 1º Volume, Primeiro Período e Parte do Segundo 1482 a 1607, Edição do Banco de Angola, pgs. 61 a 65. A obra não apresenta a data de edição. Abre, no entanto, com a “Introdução da Primeira Edição”, Benguela, 30 de Junho de 1946.
4. Gonçalo Cão, companheiro de armas de D. João I, a quem foi doada Badajoz. [Nota da o.c.]
5. Senhor do Congo. Aportuguesamento de Muene-Econgo. Há várias sugestões para a proveniência desta palavra: Capelo e Ivens derivam-na da palavra dos Ambundos designativa de tributário; Holman Bentley de ukong, caçador, quer no Ambundo, quer no Conguês; F. Nogueira de kong, plural de makongo, prisioneiro; Luís Figueira considera-a um título hierárquico, como seculo, cuja tradução diz ser Príncipe Velho: (ekongo-Velho); a história conguesa de um cura do Sunde, de fins do século XVI, princípios do século XVII, publicada por Felner, esclarece que Motino-Bene, o unificador do território, “se foi para a cidade do Congo, da qual o rei toma o nome, onde residia o pontífice daquela gentilidade chamado Mani-cabunga, e casou com uma filha sua.” No texto seguiu-se a versão do cura do Sunde. [Nota da o.c.]
6. Os Congueses chamavam Engaze ao rio Zaire, segundo o Esmeraldo. Zaire é corrupção de Nzade ou Nzare, que significa rio que engole todos os outros. [Nota da o.c.]
7. Este padrão foi destruído pelos Holandeses quando ocuparam Angola, restando dele apenas fragmentos, guardados na Sociedade de Geografia.
8. Inscrição do Padrão de Santo Agostinho. [Nota da o.c.] Este padrão foi colocado a 28 de Agosto no cabo do Lobo.
9. Duarte Pacheco, no Esmeraldo, deixou-nos estas notícias do Congo: “Nesta terra de Manicongo não há ouro nem sabem que é, mas nela há razoavelmente cobre muito fino e aqui há muitos elefantes e ao elefante chamam Zaão os dentes dos quais resgatamos e assim o cobre por lenço ao qual os negros desta terra chamam molele; neste reino do Congo se fazem uns panos de palma de pêlo como veludo e deles com lavores como cotim aveludado, tão formosos que a obra deles se não faz melhor feita em Itália; e em toda a outra Guiné não há terra em que saibam fazer estes panos senão neste reino do Congo; nesta terra se resgatam alguns escravos em pouca quantidade e até agora não sabemos que aqui haja outra mercadoria.” [Nota da o.c.]
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