RELEMBRANDO GENTE DE PORTO ALEXANDRE
por Alfredo Baeta Garcia
Parte III
Para além da população permanente que vivia, toda ela, directa ou indirectamente a pesca, havia o funcionalismo público, próprio de um concelho equipado com todos os serviços normais como Correios, Repartição da Fazenda Pública, Administração, Alfândega, Delegação Marítima, Delegação de Saúde e Hospital, Junta de Exportação, Florestas e Protecção das Dunas e Pároco da Freguesia, cujo patrono era S. Pedro.
As pessoas aqui lembradas teriam, eventualemente, algumas particularidades que, então, as marcassem para ainda estram presentes na minha memória. Dos restantes, que eram o maior número, ainda retenho a lembrança de muitos, mas sem a mesma nitidez e por isso não cabem numa relação que não é um recenseamento da população de Porto Alexandre na década de quarenta.
Todos se encaixavam, melhor ou pior, neste meio social muito característico que já ia na terceira geração aqui nascida, descendentes dos primeiros pescadores algarvios de Olhão que vieram para estas praias. Havia no entanto uma “classe” que não pode deixar de ser referida, a dos agiotas que praticavam juros de enforcado e a que eu recorri por mais de uma vez. Em Porto Alexandre era muito pequena, mas numerosa em Moçamedes, simbolizada pelo Passa Fome. Ao fim e ao cabo era o resultado de o dinheiro do Banco de Angola não ser para emprestar aos industriais de pesca, mas apenas aos comerciantes.
Pessoas houve que, não tendo relações familiares, exerceram grande influência no seu tempo e foram altamente consideradas, de que é exemplo o meu conterrâneo José de Matos Garcia que, para além de grande industrial em Porto Alexandre, foi presidente da Câmara Municipal de Moçamedes e presidente do Sindicato de Pesca do Distrito de Moçamedes, sendo um dos homens mais destacados do seu tempo, tanto em Porto Alexandre como em Moçamedes.
Uma relação desta natureza ficaria incompleta se não fizesse referência à população negra permanente, que era muito reduzida, pois a grande maioria era eventual e constituída pelos chamados Munanos, vindos contratados dos planaltos do Sul e dos Ganguelas. A essa população permanente chamavam Quimbares, supostamente de várias origens, talvez alguns Curocas, rio cujo vale tinha condições mínimas de habitabilidade e ficava próximo da Vila.
Dos homens ainda recordo alguns:
SANGOLAR, mestre de uma canoa de pesca à linha do Tomé Tendinha;
CANGÚIA, também mestre e proprietário de uma canoa cuja mulher, a Beatriz, ainda era viva quando de lá saí;
MACUíCA, contra-mestre de uma sacada da Conserveira, cujo mestre era o Américo Silva ou Juventino Graça;
CARECA, motorita de uma enviada da Conserveira;
JOSÉ REPUBLICANO [1], assim chamado por ter nascido no dia 5 de Outubro de 1910, pescador e parece que ainda era vivo por volta de 1994;
CÉSAR, serralheiro da Conserveira, um grande artista na sua profissão, saído da grande escola que foi, no seu tempo, a Companhia do Sula de Angola;
CARLOS, também serralheiro da Parceria de Pesca;
JOSÉ CHIRULO, caixotero da Conserveira;
DOMINGOS MUCUBAL, ajudante na camionagem de Sousa & Irmão, foi o único elemento da sua etnia que conheci com hábitos de assimilado;
TALAMUCA, pisteiro dos caçarretas da região;
MATEUS, suponho que era Curoca e grande fumador de cangnha;
CHICO, servente da Pensão do Chico da Conceição – Cardoso;
AUGUSTO, mestre do galeão Vissonga;
VELHO, cozinheiro da Messe do Pessoa.
Das mulheres lembro mais nomes e imagens do que dos homens, tais como:
HELENA COMBOIO, que era uma bonita rapariga;
ANTÓNIA, que era ligeiramente cambaia;
DOMINGAS, certamente Curoca e que foi minha lavadeira durante muito tempo;
CAQUINDA, filha do Republicano, que lhe deu uma tareia por ela andar metida com brancos;
CLARISSE, afilhada do Celestino Carvalho que a mulher criou até rapariga;
SEGUNDA GORDA, que na altura já era mulher de certa idade;
CÂMIA, que era zarolha e me deu uma lição de comportamento;
DOMINGAS CANHÓNHÓ, vivia com o João Nunes Cardoso, gerente da pensão do Chico da Conceição, então a única da terra;
GUÉU, tia da Helena Comboio e que viveu com o velho Beja carpinteiro;
JÚLIA, enlatadeira da Conserveira;
JÚLIA, mulher de um pescador quimbare;
CANGO, que esteve presa durante uns meses na Baía dos Tigres por problemas com o Chico da Conceição;
CACHOPA, criada de miúda em casa da Cândida Trocado;
EUGÉNIA ZAROLHA, lavadeira;
MARIAZINHA, filha da Coxa curoca, sogra de um Barreto, era servente da D. Maria Luísa Arrobas da Silva; tinha uma irmã chamada Chitenga;
CATCHAFO, que veio com um contratado Cuanhama e depois por lá ficou;
PALMIRA DO SANTANA, que substituiu a D. Virgínia Maló como chefe das enlatadeiras da Conserveira;
CHICA, filha de um Francisco do Norte, aqui a cumprir pena em liberdade;
CREMILDE, mestiça, enlatadeira do Patrício Correia;
SEGUNDA, filha da Segunda Gorda;
ADELINA, afilhada da D. Adelina do Manuel do Motor;
Em Moçamedes lembro-me da GENINHA, filha do Quarenta Raios; a LAURA HÚMIDA, que foi para Benguela.
Dos Quimbares, homens e mulheres, tenho ideia vaga de outros mais que não consigo localizar, nem pelos nomes nem por outros pormenores.
Todos estes nomes são hoje figuras anónimas que pouquíssimas pessoas cnseguirão retirar desse anonimato, situação agravada com as condições que osa mortos e os vivos tiveram de sujeitar-se no final de uma época que acabou em morte violenta.
NR
[1] Seria, mais tarde, o Regedor de Porto Alexandre.