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2 de abril de 2006

Relembrando Porto Alexandre II

RELEMBRANDO GENTE DE PORTO ALEXANDRE

por Alfredo Baeta Garcia

Parte II



COIMBRAS
De Alpiarça, eram três irmãos: o Fernando, da firma Coimbra & Silva, veio ultimamente a ser meu sócio na Lusitana; o João, que antes foi chauffeur do Sindicato e depois sócio da firma Andrade & Abano; o mais novo, o Rogério, foi motorista da Câmara de Luanda.

GUIMBRA
De Matosinhos, tinha uma tasca a confinar com o perímetro florestal das dunas e viveu sempre pobremente.

CHICO BATISTA
Da Nazaré e mandador da armação do Portela. Também tinha uma canoa tripulada por quimbares. O Batista dos atunzinhos, como ele chamava ao atum.

JOSÉ DO CARMO TAXA
Da Nazaré, também mandador da armação da Sul Angolana. Era um homem muito corpulento, mas uma paz de alma que passava por arreliar alguns maridos.

JOSÉ MARIA CODINHA
Também da Nazaré e mandador da armação da Conserveira. A sua mulher, a D. Felicidade, era um exemplar típico da praia da Nazaré.

IRMÃOS PADEIROS
Era o grupo familiar mais original e unicamente constituído por dois irmãos, já de maia idade, conhecidos por Irmãos Padeiros, sendo um deles o Chico. Não tinham casa, apenas uma pequena canoa encalhada a maior parte do tempo, onde dormiam e cozinhavam na praia. Só iam ao mar pescar à linha quando lhes faltava o vinho e pouco mais. Não tinham quaisquer parentes nem se conhecia a sua origem. Lá os deixei ficar em 1954 com a sua “Palheira”, tal como os encontrei onze anos antes.

JOÃO MALÓ
Algarvio, conserveiro da Conserveira, casado com a D. Virgínia enlatadeira principal que, quando estava mal disposta, rompia numa cantoria esganiçada que denunciava o seu estado de espírito. O velho João Maló tinha uma particularidade que revelava alguma contrariedade, era de fazer desabar para a nuca a seu chapéu preto e também a de baptizar os contratados que trabalhavam com ele com os nomes dos brancos com que não simpatizava.

EMELINO ABANO
Comerciante, sócio da firma Andrade & Abano, meu adversário de renhidas partidas de gamão a maços de cigarros.

ADÉRITO SANCHES
Comerciante e depois industrial de pesca, proprietário de uma das mais importantes casas comerciais de então. Ultimamente pouco tempo lá permanecia.

PATRÍCIO CORREIA
Chegou a ser o maior industrial de conservas e ganhou muito dinheiro no período que terminou cerca de um ano ou dois depois da guerra, mas acabou por falir porque a certa altura convenceu-se que era um homem muito rico e desatou a fazer asneiras. Acabou em Cabo Verde a tentar repetir a primeira proeza que começou num barraco do Albérico Sampaio, coberto com bordões e acabou num grande edifício.

Dr. JOÃO ARAÚJO DE FREITAS
Médico, foi Delegado de Saúde durante vários anos, ficou sem um braço arranhado por uma leoa velha que andava aos cães junto às salinas do Pinda, de que sobreveio uma infecção que levou à sua amputação. Foi ele que me tratou de uma disenteria amibiana que me ia custando a vida. Muitos anos depois, voltei a vê-lo por duas vezes em Lisboa.

Prof. JOÃO CARDOSO DAS NEVES
Professor Primário, foi quem acabou por matar a leoa, mas antes teve de fugir para dentro de um canteiro das salinas, com água pelo joelho e foi daí que a matou. Foi o único homem com quem briguei em Angola, por causa de mexericos quando da saída do Matos Garcia de sócio da Conserveira.

CARVALHO DAS DUNAS
Guarda-florestal, de que apenas me lembro por ser o pai da Fernanda que era uma bonita rapariga e chegou a ser caixa na loja da Conserveira.

JOÃO MANITA
Filho de pais com alguma fortuna vendeu, nos fins da década de quarenta, tudo o que cá possuía e foi para Olhão onde o fizeram presidente do Olhanense e parece que acabou mal de finanças. Era pai da Maria do Carmo, sobre a qual exercia grande vigilância para que ninguém a namorasse.

MANUEL MARTINS
Mais conhecido por Manuel do Motor, casado com a D. Adelina que me fez dezenas de litros de chá de goiaba durante a minha amibiana. Era do Motor por ser o encarregado da central elevatória da água. Tinham 4 filhos; dois do casal: Mário e Antoninho; o Augusto Lopes filho da D. Adelina e o Manuel Dodge, do Manuel do Motor.

JOÃO NUNES CARDOSO
Filho da Escola e antigo despenseiro da Marinha de Guerra. Era o encarregado da pensão do Chico da Conceição, a única existente naquele já longínquo ano de 1943, onde me hospedei à chegada. Anos depois consegui colocá-lo como encarregado de terra da Conserveira, onde ganhava mais do que eu, que era seu superior hierárquico, por causa das percentagens na produção de peixe seco, benefícios elevados que o Prof. Martins pouco tempo manteve.

HERMENEGILDO AUGUSTO SILVA
Mais conhecido por Silva Bindes, era sócio da firma Coimbra & Silva, da e por esse facto também sócio da Lusitana, Lda.

MONTEIRO
Encarregado da estação dos correios, era natural de Matosinhos.

JOÃO VIVEIROS
Empregado de balcão da Sul Angolana, casado com a D. Leontina era, ao tempo, correspondente local do jornal de Moçamedes, o “Sul de Angola”.

VITAL
Padeiro do Antunes da Cunha e especialista em caldeiradas de cabrito e copofonia. Por causa desta última especialidade foi “veranear” para a fazenda do Pinda a fazer de encarregado. Era um dos últimos degredados que para aqui vieram, já livres há muito tempo. Um outro era o chamado St. Antoninho, pequenino e falso. O Vital, que o conhecia bem, dizia que tinha de ser seguro à primeira cacetada.

JERÓNIMO RIBEIRO
Alfaiate que o Tenente-coronel Vitória Pereira, do Lubango, fez jornalista do "Jornal da Huila".

COELHO
Serralheiro da Sul Angolana, tinha umas filhas muito “precoces”.

DELEGADO MARÍTIMO
1º Sargento de Manobras, cujo nome não me recordo, a quem pela primeira vez ouvi chamar Fracção Imprópria ao filho de um industrial que lhe passou à porta montado num burro.

PADRE LOPES
Veio substituir, salvo erro, o Pe. Zagalo e com quem convivi, mas que não conheci muito bem. Acabou por se despadrar e casou, no regresso à Metrópole. Para ter maior liberdade de movimentos, segundo me confidenciou, nunca entregou ao Bispo da Diocese, para não lhe ficar sujeito, a carta de excardinação.

PADRE SERRALHEIRO
Que substituiu o anterior, era um padre com outro tipo de modernidade, sem exageros. Tinha uma personalidade menos complicada que o seu antecessor. Deixei-o lá e mais tarde soube que faleceu no interior, ainda novo.

ALBERTO FERREIRA MARQUES
Secretário Administrativo, mais conhecido por Pega de Arranque. Era bom homem e tinha certa dificuldade em começar a falar e daí a alcunha. Fez a ponte entre dois Administradores e nessa situação mandava organizar bailes no Recreativo, com comes e bebes à custa da Junta Local, a propósito de qualquer evento sem importância. Tantos fez que levou a Junta à banca rota e por isso não acabou a interinidade normal.

HIROÍTO
Empregado de escritório do Antunes da Cunha, era um sósia perfeito do Imperador do Japão com esse nome.

FERNANDO PENALVA
Fundador, ou coisa parecida, de uma seita religiosa que tinha como patrono S. Luís de Gonzaga. Tinha relações de muita influência junto da família do Segismundo Sampaio.

MANUEL AUGUSTO SIVA
Eu com a minha cara de Cristo Velho”, como ele dizia, era mais conhecido por Silva Makeiro, nome que lhe veio de ter tido questões ou problemas com uma parte considerável das pessoas importantes de Moçamedes e de Porto Alexandre. Foi o intermediário da venda da minha cota na Lusitana, Lda, ao Chico da Conceição, com que terminou a minha carreira de industrial de pesca.

FAMÍLIA PEIXE
Apenas conheci duas pessoas desta família, a D. Elvira Peixe e o Chico Peixe que era mestre de um palhabote de cabotagem.

CARLOS PESSOA
Comerciante e, nas horas vagas, fotógrafo amador com algum mérito.

GOMES
Encarregado dos armazéns locais do Sindicato de Pesca, a quem comprei uma pistola 6,35 por 500$00, por volta de 1944.

RUSSO
Correspondente do Banco de Angola.

CELESTINO RAMIRES
Guarda-livros do Patrício Correia.

FAMÍLIA PONTES
Poveiros. Ele era um homem já de certa idade que antes tinha estado em Manaus, casado com uma senhora chamada Ana. O casal só teve filhas e por isso o nome desapareceu. Eram três: a Cândida, casada com o António Trocado, dos quais fui comensal antes de terem ido para Moçamedes tomar conta de um hotel; a Beatriz, nesse tempo já divorciada de um Concha; e a mais nova, a Geninha, casada com o Justino Pacheco.

1 de abril de 2006

P.Alexandre: Obrigado a todos

6 de Dezembro de 1854



Pensar na fundação de Porto Alexandre, a terra onde nasci, faz-me pensar em primeiro lugar nos meus antepassados.

É, portanto, a eles que quero prestar aqui uma singela homenagem. E através deles a todos os outros que, naquele tempo, desbravaram terras, abriram caminhos, suaram e sofreram naquela maravilhosa terra plena de beleza e riqueza natural.

Ao fazer uma viagem ao passado lembro todos os que, no final do Séc. XIX e princípio do Sec. XX, saíram de Portugal Continental procurando nas colónias uma vida melhor ou, nalguns casos, também uma aventura.

Sabiam, no entanto, que essa vida melhor não estava lá à espera deles. Souberam logo que pisaram aquelas terras que essa vida melhor teria que ser construída por eles.

Quando chegaram, encontraram pouco mais do que nada que se parecesse com o mundo que conheciam. Do nada fizeram casas, traineiras, captações de água potável, latrinas, e depois escolas, igrejas, fábricas, hotéis. Dito assim parece até simples. Dito assim por alguém que só conheceu Angola já com todos estes sinais de civilização europeia, parece até afronta aos que tanto lutaram para fazer tudo isto.

Depois daqueles primeiros grupos outros lhes seguiram o exemplo e durante todo o Sec. XX milhares de portugueses partiram para os então chamados territórios ultramarinos. Felizmente para eles, os que chegaram a Angola nas décadas de 50, 60 e 70 já encontraram a terra desbravada. Os relatos dos pioneiros podem para eles parecer cenas de filme.
Mas foram todos, os pioneiros e os outros, que fizeram de Angola a terra que nós deixámos há trinta anos.

A história da colonização dos territórios portugueses em África está, naturalmente, cheia de erros, contradições, injustiças, alguns pecados mortais.

Alguns falarão mesmo de um pecado original colocando a questão: tinham os países europeus o direito de colonizar e aculturar as terras africanas? Talvez hoje muitos digam que não com a pose de quem afirma uma verdade insofismável.

Mas a maior verdade de todas é a dialéctica da história. A realidade histórica não pode ser apagada. Injusto é julgar a história de ontem com as ideias de hoje.

A história de ontem – com todos os erros e omissões – não faz dos nossos avós exploradores de negros ou ferozes racistas. A história de ontem mostra-nos homens e mulheres valentes no seu tempo. A história de ontem mostra-nos gente que, procurando para si o bem de uma vida melhor, criou em terras africanas incomensuráveis riquezas para a Pátria que amavam.

A história de ontem mostra portugueses algarvios, nazarenos, minhotos, transmontanos e outros que deram corpo à palavra miscigenação criando várias gerações dos que hoje se usa chamar luso-africanos, mas que eram apenas outros portugueses.

Mais tarde, várias gerações depois, foi com profundo espanto e indescritível tristeza que todos eles ouviram dizer que Angola não era deles. Quando todos se habituaram a acreditar que Angola era Portugal e que todos os que nasciam em Angola sob bandeira portuguesa eram portugueses. Infelizmente, a Pátria portuguesa não entendeu assim.



Os meus antepassados

Os meus ascendentes paternos – Alves e Peleira – fizeram de Angola a sua terra desde meados do Sec. XIX.

Em primeiro lugar ao meu trisavô José dos Santos Peleira, um dos que algarvios que pertenceu ao grupo que primeiro “descobriu” Porto Alexandre. Dele descende o meu Avô paterno Virgílio Peleira que não tive a felicidade de conhecer.

Do meu bisavô António Alves, de origem Minhota (Ponte de Lima) descende a minha avó paterna Irene Alves Peleira.

Mais recentes na chegada a Angola são os meus ascendentes maternos – Trocado e Delgado.

O meu bisavô Manuel Francisco Trocado chegou a Angola pela primeira vez em 1921. Dois anos mais tarde traz consigo a mulher - Maria Feiteira Trocado – e os filhos, Baldomero e Nair, a minha avó.

Em 1922 tinha chegado a Porto Alexandre José Venâncio Delgado, juntando-se a seu pai que já lá se encontrava. Viria a casar com Nair Trocado. São os meus avós maternos.

Obrigado a todos por me fazerem ter nascido naquela terra maravilhosa.



Maria Nair Delgado Peleira de Almeida

Lisboa, 6 de Dezembro de 2005