RELEMBRANDO GENTE DE PORTO ALEXANDRE
por Alfredo Baeta Garcia
Parte I
Nota da Redacção
As anotações, referidas entre parêntesis rectos,
são da responsabilidade da Redacção e destinam-se,
apenas, a situar ou esclarecer certos aspectos da narrativa.
Esta relação de gentes de Porto Alexandre foi escrita de memória, mais de 40 anos depois do autor ter saído desta terra.
Não é um recenseamento da população de Porto Alexandre na década de 40. As pessoas aqui lembradas teriam, eventualmente, algumas particularidades que, então, as marcassem, para estarem presentes na minha memória. Dos restantes, que eram em maior número, ainda retenho a lembrança de muitos, mas sem a mesma nitidez e, por isso, não cabem nesta relação.
Em Porto Alexandre, na década de quarenta, existia um grupo de famílias bem demarcado social e economicamente cujos membros, em muitos casos, se tinham cruzado, o que, se por um lado podia dar origem a uma certa hegemonia, por outro contrariavam-na rivalidades que não podiam deixar de existir, pelo que a conjugação desses dois factores permitia um certo equilíbrio que tornava a sociedade alexandrense aberta a todos os estranhos, com um certo cunho de cosmopolitismo à sua medida.
A ordem do rol que se segue não tem qualquer significado especial.
FAMÍLIA SAMPAIO NUNES
Suponho que de origem madeirense e cujo primeiro representante local já havia falecido há anos. No meu tempo ainda era viva sua esposa, a D. Carlota, senhora bastante idosa que vivia com o filho, Sigismundo, meu vizinho pois eu era hóspede da pensão do Chico da Conceição, inquilino da família Sampaio.
O casal só teve filhos:
Albérico, industrial e comerciante, pessoa de fino trato e com aspecto de aristocrata inglês; era casado com a D. Ermelinda, filha dos Tendinha e pais da Gladice, Acrísio e Fernanda;
Edmundo, que foi administrador do concelho e pai do Cap. Arménio Sampaio Nunes que vim a conhecer no Quitexe vinte anos depois, a comandar a 89ª Companhia Independente de Caçadores Especiais, a primeira ali sediada em finais de 1961; Jaime, que foi almoxarife do palácio do Governador Geral, casado com uma filha do Manuel Carvalho, pais da Edite; o último, Sigismundo, casado com uma irmã do Emelino Abano, pais de quatro filhas, entre elas a Sigismunda, a Eunice e a Carlota. Foi meu senhorio, da última casa onde habitei em Porto Alexandre.
FAMÍLIA TENDINHA
Talvez a mais numerosa, da qual ainda conheci o velho Januário e a esposa. Era de Olhão e tinha sido carpinteiro de ribeira. Os filhos que conheci foram os seguintes: Ermelinda, já referida [ na família Sampaio Nunes ]; Januário, casado com uma Frota, era empregado do Sindicato; Avelino, carpinteiro de ribeira, profissão que trocou pela de industrial, de sociedade com o irmão Lourdino; Tomé, pequeno comerciante e pequeno industrial de quem também fui inquilino, de parceria com o Lucas Vicente e de que resultou o casamento deste com a Carminho, filha do nosso senhorio; Marceana, casada com o Prof. Martins que foi meu patrão na Conserveira; uma outra filha, casada com um filho do Correia de Freitas, proprietário d’ ”A Província de Angola”; o mais novo, Lourdino - que deve o nome ao facto de os pais esperarem uma menina, para a qual já tinham escolhido o nome de Lourdes e daí Lourdino – era despachante oficial de alfândega e casado com a D. Josefina, da família Sena, tendo o seu filho mais novo, também Lourdino, levado um tiro que lhe atingiu o fígado, quando prestava serviço militar no Quitexe, onde o encontrei durante a guerra 61/74.
FAMÍLIA SENA
Havia dois ramos provenientes de irmãos, de que apenas conheci o que era cego e pai da Josefina; do António, pai da Gisela; do Alexandrino e de uma Senhora que viveu em Moçambique e que regressou às origens com a família , em finais da década de quarenta.
Ao outro ramo pertenciam o Francisco, sócio da firma “Sena & Ribeiro”, e o Orlando. Eram de origem algarvia.
FAMÍLIA CARVALHO
Algarvia igualmente, com dois ramos provenientes de dois irmãos: o do Manuel e o do Francisco; deste, dois filhos, o Zequinha e o Francisco; do Manuel, o Manelinho, de quem fui inquilino, o Zeca, que era pai da Luísa e da Eugénia, o Eugénio, o Celestino, o Jaime, o Artur – Turra – que teve uma filha que foi Miss Portugal, e uma filha casada com o Jaime Sampaio Nunes.
FAMÍLIA MARTINS DA SILVA
De origem madeirense cuja cabeça, a D. Miquelina, não conheci sequer de vista pois não saía de casa como, aliás, todas as mulheres casadas. Os filhos foram todos empregados da Conserveira, excepto o mais novo, Flávio: Vitorino, carpinteiro de ribeira, casado com uma filha do Avelino Tendinha; Américo, que foi o melhor mestre de sacada do meu tempo; Ângelo, casado com uma filha do Chico Sena; Lúcio, que fui substituir como ajudante de guarda-livros do Serafim Frota, na Conserveira; e uma mulher casada com o António Pires que foi chefe de redacção d’ “A Província de Angola”.
FAMÍLIA SACRAMENTO
De origem algarvia de que mal me lembro: do velho, do qual houve um filho único, o Alfeu, que veio a Lisboa e, de regresso, apareceu de polainitos e com a Cármen Cartier. Uma irmã desta casou com o Francisco Carvalho, sobrinho.
FAMÍLIA PACHECO
No meu tempo era viva apenas a mãe, irmã da D. Miquelina, que também não conheci pela mesma razão da irmã [ vide família Martins da Silva ]. Eram seus filhos: o José, que foi gerente do Banco de Angola; o Justino, que foi empregado de escritório do Albérico Sampaio e ultimamente tinha um Jeep de aluguer para caçadas; o Taruca; e uma rapariga que ficou solteira e que também não conheci, pelas mesmas razões da mãe e da tia. A sua origem era, igualmente, madeirense.
FAMÍLIA SANCADAS
Vivia no Bairro Poveiro e era a que restava da colonização poveira do tempo do Gen. Norton de Matos. Tinha filhos de que pouco ou nada recordo [ recordamos, não obstante, a existência das famílias Trocado e Marques, também dessa colonização ].
FAMÍLIA ARROBAS DA SILVA
O velho Adriano, que aqui terminou a sua carreira administrativa como secretário, era casado com a D. Luísa, em casa de quem fui comensal. Ela era uma santa mulher, por aquilo que lhe aturou e tiveram os seguintes filhos: Fernanda, casada com o Prof. João Cardoso; Emília, casada com o Mário Carneiro; Fernando, que foi funcionário da Alfândega; e João, que veio a ser funcionário administrativo, como o pai, e casou com uma filha do António Alípio. Era de origem cabo-verdiana.
FAMÍLIA BODIÃO
Algarvios, divididos em dois ramos, de quem não lembro os nomes. Um deles tinha dois filhos que foram empregados da Conserveira e uma filha.
FAMÍLIA VIEGAS
No meu tempo só era viva a mãe, que não conheci pelo mesmo motivo das outras. Este facto não deixa de ser estranho, pela razão de eu ter ali vivido, ininterruptamente, onze anos e ter conhecido, efectivamente, toda a gente. Havia os seguintes irmãos: Aureliano (Lianinho), empregado de balcão da Conserveira; o Lila, empregado do Sindicato da Pesca; e o Rui que era o mais velho.
FAMÍLIA ANTÓNIO ALÍPIO ou PANTALEÃO PISOEIRO
Nunca soube qual destes dois nomes era o legítimo; nazareno e mandador da armação da “SOS”. A mulher, Noémia, era da família conhecida pela alcunha de Chimpenso, apenas constituída por mais dois irmãos. Tinham quatro filhas e um filho: uma casada com o João Arrobas; outra, Antonieta, a rapariga mais bonita desse tempo, casou com um primo de Moça-medes , filho do Chico da Conceição, e morreu do primeiro parto.
FAMÍLIA JOAQUIM ROMÃO
Algarvio da Fuzeta. Tinha um filho e duas filhas e era sócio principal da “Parceria de Pesca”. Um cunhado seu, o Manuel Reis, foi seu sócio na fundação da “Lusitana”. Tinha um meio-irmão, o José Rolão, seu empregado que fundou, com o Baldomero Trocado, ao tempo também empregado da “Parceria”, o primeiro cinema permanente instalado na vila e depois foi para Moçamedes inaugurar ali a primeira pastelaria, a “Rollan”, de sociedade com o Zé Lã tendo, antes, começado com uma fábrica de amêndoas, talvez a primeira de Angola.
FAMÍLIA DO Ó FAUSTINO
Era uma família numerosa e antiga que, em parte, se dispersou. Nesse tempo o seu membro mais representativo era o Constantino, sócio minoritário da firma “Antunes da Cunha” e cunhado do sócio principal, que era o velho Albino da Cunha. A sua secção comercial era a mais importante nesses primeiros tempos. O Albino tinha um filho, o Joaquim Albino, que jogou futebol na Académica. Um seu sobrinho, o John, foi o meu maior amigo dessa época, teve um desastre de avioneta em Moçamedes e ficou parcialmente paraplégico, morrendo poucos anos depois, em Lisboa.
FAMÍLIA BARRETO
Também das mais antigas e que, inicialmente, esteve instalada na parte terminal do Curoca, chamada Pinda, numa minúscula fazenda já abandonada em 1943, cujos vestígios eram, apenas, duas ou três palmeiras e deu o nome à rampa que sobe do Curoca ao planalto de Sto. António, chamada “Subida do Barreto”. Só lhe conheci um filho, chamado Alberto.
FAMÍLIA CRUZ
Suponho ser descendente de uma lendária Maria da Cruz Rolão, patrona da escola primária da vila, por ter intimado, na qualidade de Regedora, uma canhoneira inglesa a levantar ferro, o que esta, surpreendentemente, fez, apesar de não existir qualquer força visível que a isso pudesse obrigá-la. Eram seus descendentes, tanto quanto presumo, Carolina da Cruz, mãe e filha. Não sei se o Júlio da Cruz era, ou não, da família.
FAMÍLIA PELEIRA
O pai, Vergílio Peleira, morreu no ano da minha chegada. Tinha um irmão, Veridiano Peleira, que não sei qual era a sua actividade, só que andava sempre encasacado de caqui e gravata e com uma pequena vergasta na mão. Era pessoa de poucas falas, presumo que por timidez. A viúva do Vergílio ficou a gerir um pequeno estabelecimento e uma ou duas canoas de pesca à linha e com isso, equilibradamente, conseguiu acabar de criar os três filhos, dos quais o Tica, que era o mais velho [1], casou com uma filha do Tomé Tendinha.
FAMÍLIA GASPAR
Ele era natural da Figueira da Foz e também faleceu no ano da minha chegada. A viúva era irmã da mulher do Peleira. Tinham vários filhos e uma filha, Ermelinda, que esteve para casar com o José António Neves Graça, mas que o Prof. Martins, quixotescamente, fez abortar sem ter nada a ver com o assunto.
FAMÍLIA NEVES GRAÇA
O pai Neves já se tinha retirado antes de eu chegar, o que era um caso muito raro: quem vinha era para ficar. Tinha dois filhos: o Joaquim, em Moçamedes, na firma “Amadeu Gonçalves & Neves” que era, maioritariamente, do pai; e o José António que, ao tempo, geria a “Sul Angolana”, também da família. O José António tinha o privilégio, único na terra, de ser servido por uma criada branca, já de certa idade, a Senhora Carlota que tinha sido sua ama em casa dos pais, nas imediações do Porto. Tinha um primo, o Mário Carneiro, que foi empregado da “Sul Angolana” e depois se estabeleceu com uma pequena pescaria, ao mesmo tempo que fazia fretes com uma camioneta. Casou com a Emília, filha do Arrobas da Silva.
FAMÍLIA PROF. MANUEL DA PIEDADE MARTINS
Como já disse, ele era casado com a D. Marceana, filha do velho Januário Tendinha. O casal tinha quatro filhos: o Armando, que faleceu pouco depois de chegar em 1975; o Carlos e duas filhas: a Balela e a Gracinha, ambas bastante mais novas que os dois irmãos. O Prof. Martins pediu a reintegração como funcionário, muito mais tarde, e a última vez que o vi foi em Luanda.
(continua)
[1] O filho mais velho de Vergílio Peleira e Irene Alves, é Mário Alves Peleira; vd. comentário de Nair a este artigo, 11:23 PM, Fevereiro 18, 2006
última revisão: 4.05.2006